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Meu primeiro discurso no Senado

Brasília, 4 de fevereiro de 2011

Senhor presidente, senhores senadores da mesa.

Senhoras e senhores senadores.

Depois de oito anos, volto à Casa. No mandato anterior, as questões econômicas eram uma de minhas inquietações. Retorno com o mesmo desassossego. Quase oito anos como governador do Paraná, temperaram e consolidaram minhas posições.
Despedi-me do Senado, em dezembro de 2002, com o Brasil quebrado, quebrado pela segunda vez sob Fernando Henrique.
É bem verdade que avançamos, nos anos do presidente Lula.
No entanto, alguns dos pressupostos que nos levaram à insolvência, permanecem vivos, expostos, fortemente à vista.
A contradição entre Nação e Mercado, entre os interesses nacionais e a barbárie neoliberal não se esfumou porque– por exemplo e simplificando as coisas– as privatizações foram contidas. O desbaratamento do patrimônio nacional é apenas uma das faces do satânico Dr. No, não a sua alma.
A essência, o espírito vital, os tais fundamentos macroeconômicos, tão de apreço, e a que se aferram com maior ou menor gana os condutores de nossa economia, deste ou de outros governos, permanece a mesma. Reedita-se. As revisões corrigem os adjetivos Não mais que.
Por isso, às vezes, quando alguns desses opacos colunistas e analistas da grande e senil mídia esbravejam, reivindicando para FHC, Malan, Armínio Fraga, Gustavo Franco, e até mesmo para o impagável Maílson da Nóbrega, e para eles próprios é claro, já que se atribuem co-autoria, parte das responsabilidades nos ditos êxitos da política econômica vigente, confesso que tendo a concordar.
Há de fato uma continuidade. A linha não se rompe. Flexibiliza-se.
Ad argumentandum tantum. Só para argumentar.
Quando ficou claro que o cigarro provocava doenças e matava, a indústria do tabaco inventou primeiro o filtro, depois os baixos teores e cigarro continuou matando.

Da mesma forma, os tantos filtros adicionados às políticas neoliberais adotadas nos anos 90, mascararam os efeitos sinistros do receituário. Mas não eliminaram a causa do mal.
A causa do mal. Essa a minha obsessão.
Longe de eu apoucar ou querer desbotar a grande obra do presidente Lula. Os números estão aí, a realidade grita e contrapô-la é uma estultícia.
Só que em vez das louvaminhas, do encantamento descerebrado, acrítico, bajulações que o próprio presidente sempre desprezou, devemos, sob esta nova Presidência, tornar irreversíveis o que o povo brasileiro conquistou entre 2002 e 2010.
Isso apenas será possível se rompermos com os princípios, com a maldita doutrina que nos acorrenta à condição de um país para os outros e não de uma Nação para os nossos. Do contrário, os tantos milhões de brasileiros resgatados da miséria e outros tantos ascendidos à classe média, voltarão em breve de onde vieram.

 

A melhor homenagem que podemos fazer ao presidente Lula, é perenizar os avanços. Para tanto, insisto, a reforma, a transformação que se impõe ao país, é a reforma econômica, a começar, por exemplo, com o fim da autonomia do Banco Central.
Hoje, todo o edifício institucional em que se suporta a política econômica tem como base a autonomia do Banco Central. E o Banco age como um Estado dentro do Estado, subordinando e condicionando as ações do Estado e do setor produtivo aos mandos, e desmandos, do capital financeiro.
Não se trata de uma questão de nomes. Se é Meireles ou Tombini. O que importa é o princípio, a doutrina, o enunciado, o parti pris. Aliás,o novo presidente do BC estréia na função aumentando um tanto mais os juros, acenando ao tal mercado que tudo continua como dantes, com um certo filtro.

 

Vejam. Leio no insuspeito Estadão que, no início deste ano, o Global Economy Meeting, fórum que reúne os presidentes dos mais importantes Bancos Centrais do mundo, avaliou como legítimas as iniciativas nacionais para controlar o fluxo de capitais que assediam países emergentes como o Brasil.
E nós estamos esperando o que, temendo que?
A reforma econômica, profunda, radical e corajosa, deve ser a mãe de todas as reformas. O resto virá por acréscimo, naturalmente.
Afinal, que peso, importância e transcendência têm para a vida do brasileiro o voto distrital, as regras da fidelidade partidária e quetais, se a subordinação do Brasil aos ditames dos rentistas, pátrios e estrangeiros, põe em risco, permanentemente, o emprego, o salário, o consumo, a produção, a inovação tecnológica, a perspectiva tão ansiada de país forte, desenvolvido, justo e bom para todos?
Depois da segunda Guerra Mundial, diante dos horrores do nazi-fascismo, alguns intelectuais, entre eles Sartre e Hanna Arendt, dedicaram-se a discutir o Mal, as origens do Mal. Como a Humanidade chegara àquele ponto de barbárie.
Pretendo, na seqüência, sem as luzes de Sartre e Hanna Arendt, discutir as origens do Mal que hoje aflige a Humanidade. Esse Mal, que é o sistema financeiro mundial, que também ceifa vidas, humilha, massacra, empobrece, rouba o futuro, depreda os recursos naturais e transforma tudo em commodities no jogo das Bolsas.
Antes, um parênteses para que lembre um filme. A refilmagem de o Assalto ao Metro 123, em Nova York. O personagem vivido por John Travolta, ao exigir o resgate para liberar os reféns, diz para o negociador que considere os reféns como commodities da Prefeitura de Nova York. E que, a cada item não cumprido das exigências que fazia, uma commodity, isto é, um refém, seria eliminada. E assim fez, até que o resgate fosse pago.

 

Não sei se a intenção do diretor do filme e dos roteiristas era estabelecer um paralelo entre a crueldade dos especuladores e a banalização da vida. Mesmo que não tenha sido, o filme fala à perfeição sobre a desumanidade, a perversidade do sistema financeiro mundial ao quebrar países, destruir economias, empregos, empresas e vidas. Para eles, não há humanidade, não ha mulheres e homens, com os seus sonhos, sua aventura de vida. Somos todos commodities, descartáveis, suprimíveis.
Quando tudo isso começa, modernamente?
Começa em Bretton Woods, Estados Unidos, em julho de 1944, quando 45 países, já na arrancada final para a derrota do nazi-fascismo, reúnem-se para desenhar a arquitetura do mundo pós-guerra, para, sob a regência dos norte-americanos, estabelecer um sistema de gerenciamento da economia mundial.

 

Registre-se que, longe do palco das batalhas e da terra arrasada, e com a sua economia fantasticamente aquecida pelo esforço de guerra, os Estados Unidos saem do conflito ainda mais poderosos, prontos para se impor ao mundo. A Europa e o Oriente capitalistas, destruídos. A União Soviética, depois dos incríveis avanços nas décadas de 20, 30 e início dos 40, contabiliza não apenas 25 milhões de mortos, mas também a ruína
de sua indústria, de sua agricultura e de seu sistema de transportes.
Na China, Mao encontra-se ainda às voltas com os invasores japoneses e a perfídia de Chiang Kai Shek.
Por essas bandas, bom, por essas bandas tropicais estamos prontos para trocar o superávit comercial com império por bilboquês e chicletes.
Entre as novas regras para o comércio global, Bretton Woods estabelece o dólar como moeda universal. Com uma limitação: para cada dólar emitido, os Estados Unidos comprometiam-se a amealhar quantidade equivalente em ouro. Daí o famoso e lendário Forte Knox, tantas vezes assaltado pela ficção.
Essa paridade medieval, esse lastro fetichista, que não levava em conta o que o país produzia, a riqueza que gerava, perdura, aos trancos e barrancos, até o início da década de 70, no Governo Nixon. Sufocados pelos custos da corrida armamentista, da guerra fria, do papel de gendarmes do mundo, da guerra e derrota no Vietnã, e, em conseqüência, por um sideral déficit interno, os Estados Unidos abandonam a paridade. E passam a emitir vertiginosamente, sem cobertura, para resolver seus problemas internos.
E o papel pintado de verde, cujo valor não se ancora na soma dos bens e serviços produzidos, continua dominando as relações comerciais no mundo todo, compra bens e estruturas produtivas terra à fora, e à forra.
Com a financeirização da economia, com a globalização neoliberal—uma releitura transversa, e travessa, de Adam Smith—o domínio do império e da sua moeda sufoca o mundo.

 

Triunfantes, ainda mais depois da queda da União Soviética, embalados pela estupidez dos Fukuyamas e o fim da história, os novos Atilas arrasam qualquer obstáculo que se lhes interponham. Na Europa, caem uma a uma as resistências, as defesas construídas pela social-democracia. Vai-se a ilusão do Estado do bem-estar social.
Flexibilização das relações trabalhistas ou seja, a volta da canga e aroeira no lombo do operariado; reforma do sistema previdenciário e supressão dos mecanismos proteção aos idosos, às crianças, aos desprotegidos; privatizações; a diminuição do Estado, que se retira até mesmo de suas funções básicas, primárias; desregulamentação da economia e fim de toda a barreira que impedisse livre trânsito do capital multinacional e da especulação financeira.
Eis o ideário neoliberal, eis o Consenso de Washington e de Londres, que fizeram de Reagan, de Thatcher, e de nossos inefáveis Menem e Fugimori, heróis de uma triste quadra da história da humanidade.

A ganância, e não o trabalho e a produção, transforma-se no motor da economia. Assim, põe-se o ovo da serpente. Desde o começo era visível o que seria gerado, como dizia o personagem de Ingmar Bergman, no filme homônimo.
E temos, então, o inevitável.
Nos Estados Unidos, por longo tempo, congelam-se os salários dos trabalhadores. A conseqüência, é a retração do mercado interno, principal alicerce da soberania de cada país. Como os trabalhadores e a classe média passam a ter dificuldades para consumir, a engenharia financeira engendra o subprime, empréstimos de risco, com prazo longo e juros altos.
Os trabalhadores norte-americanos tomam esses empréstimos à larga, financiando imóveis automóveis e ensino universitário de seus filhos, que nos Estados Unidos é pago.
Com juros que chegam até a 15 por cento ao ano, a lucratividade do subprime torna-se atrativa e temos então os derivativos, sobre os quais se lançam com apetite os fundos de pensões, os especuladores, todos aqueles à caça de retorno fácil e farto.
Até o dia em que os trabalhadores e a classe média com vencimentos arrochados e dívidas muito além de suas possibilidades, deixam de pagar os empréstimos. E o sistema todo, em uma só lufada de insolvência, desmorona-se. Tão simples assim.
E a crise só não foi– ou é– maior porque, ironicamente, o mundo tem reservas em dólares. A China tem trilhões. O Brasil anuncia mais de 200 bilhões. Os países da União Européia também se lastrearam em dólares.
Na seqüência da crise, as senhoras e os senhores lembram, falou-se que o mundo não seria mais o mesmo. Parecia até que a longa luta pelo controle de capitais, pelos freios na especulação financeira e nos bancos teria algum êxito. Vã ilusão.
Como crise e capitalismo são irmãos siameses na história, logo adiante o teatro dos homens verá uma nova farsa.
Mas volto aos mesmos Estados Unidos, para buscar lá, em sua formação nacional, nos seus primeiros anos de vida como país independente, ensinamentos úteis para a nossa consolidação como Nação.
Nos tempos inaugurais do novo país, sobre a presidência de George Washington, seu secretário do Tesouro e um dos comandantes da Guerra da Independência, Alexander Hamilton, apresenta ao Congresso o Tratado das Manufaturas, a pedra de toque do nascimento de uma das nações mais poderosas do planeta.
Nesse tratado, Alexander Hamilton mostra que a desigualdade entre os países, do ponto de vista cultural, das matérias-primas, do desenvolvimento tecnológico, obrigava os nascentes Estados Unidos a se resguardarem, para enfrentar a competição do mercado global, então sob controle da Inglaterra ou mais precisamente da Companhia das Índias.
Contrapondo-se a Adam Smith, que dizia que os Estados Unidos, em vista da exuberância de seu solo estavam destinados à agricultura, Hamilton estabelece as bases para desenvolvimento industrial, o fortalecimento do mercado interno, a modernização da agricultura, cria um banco nacional, expande o crédito e estimula a poupança.

Na mesma linha, três outros economistas vão ter forte influência para a formação e consolidação econômica da nação norte-americana, o alemão Georg Friedrich List, Henry Clay e Henry Carey.
Com o seu Sistema Nacional de Economia Política, List dá substância às propostas de Hamilton e influencia um de seus principais seguidores, Henry Clay, senador e secretário de Estado, cujo Sistema Americano, reforça as idéias de proteção e subsídios à indústria nacional, investimentos estatais em infra-estrutura, banco nacional para financiar a produção.
Consultor econômico de Abrahão Lincoln, Henry Charles Carey continua opondo o sistema americano ao chamado sistema britânico ou seja, ao liberalismo smithiano. Carey é radical quando se trata da proteção da incipiente indústria norte-americana, para ele único caminho para o desenvolvimento e afirmação de soberania da nova nação.

Até meados do século passado, informa a Wikipédia, Friedrich List era o autor de economia alemão mais traduzido para mundo, com exceção de Marx. Não seria má idéia se ele voltasse a ser um campeão de vendas, pois suas liç&ot
ilde;es são de uma atualidade espantosa.
A crise, e a certeza da recidiva, já que parece não haver vontade e decisão política no mundo para controlar os capitais e refrear a voracidade por lucros, a crise abre espaço para a reposição do Brasil, para a retomada dos pressupostos nacionais.
Mas não como uma China ou uma Índia com menos habitantes, participando do mercado global como fornecedor de mão-de-obra barata ou, então, como produtor e exportador de commodities de minérios e grãos.
Inserção no mercado global, sim. Mas como Nação e não como um entreposto comercial.

 

 

Mercado ou Nação, eis a questão.
O mercado não tem pátria, não tem fronteiras, não tem história, tradições, cultura. O espírito que move o mercado é a ganância, a busca insana, e quase sempre amoral, pelo lucro. Com a velocidade da internet mobiliza bilhões, trilhões de dólares, podendo destruir em um só toque de botão economias inteiras, empregos, empresas, levando ao desespero milhões de pessoas.
A Nação tem história, espaço, consolida seu território com o suor e o sangue de gerações. A Nação tem compromisso com os seus, com a aventura de vida e o bem-estar de toda a sociedade, de cada pessoa. A Nação solda-se com o amor e a solidariedade. A Nação acolhe e protege os mais fracos, os desprotegidos, os indefesos. A Nação tem compromisso com a produção, com o trabalho e a defesa do trabalho.
Mercado ou Nação?
Mercado para os outros, um país às garras do capital vadio que não produz um botão de camisa, uma máquina, um sapato, ou uma Nação para os nossos?
A resposta parece fácil, e a alguns pode soar até mesmo como impertinente, óbvia, desnecessária.
Não é bem assim. Os entraves que a política econômica vigente impõe ao desenvolvimento brasileiro, ao desenvolvimento e consolidação do Brasil como uma Nação forte, segura e próspera estão às nossas vistas. Basta abrir a janela ou folhear os jornais.
Uma Nação se constrói com uma política de juros que não puna quem produza.
Não se faz uma Nação com os juros mais altos do planeta.
Uma Nação se constrói com uma política industrial planejada nacionalmente, com crédito farto e barato, com inovação tecnológica, com subsídios, com salvaguardas alfandegárias, com tarifas diferenciadas.
Não se faz uma Nação com dólar depreciado, que permite a entrada de toda sorte de quinquilharias, destruindo a nossa base industrial e avilta os preços de nossa produção agrícola.
Uma Nação se faz com o controle do câmbio.
Não se faz uma Nação com flutuações cambiais que impedem o empresário de planejar o seu negócio por prazo maior que uma semana.
Uma Nação se constrói com a estatização do crédito.
Não se faz uma Nação deixando à conta do mercado financeiro, isto é, dos bancos, a responsabilidade principal por irrigar a economia nacional de recursos.
Lembram-se do que aconteceu quando o presidente Lula, sabiamente, e certamente com a oposição do Banco Central, no aceso da crise, liberou compulsório, para que os bancos aumentasse o crédito à economia atenuando assim parte dos efeitos da débâcle financeira?
Os bancos, sem nenhum pudor, jogaram o dinheiro liberado na especulação, pois consideraram um risco emprestar.
Não proponho a estatização dos bancos –o que não é uma má idéia—sim a estatização do crédito. O crédito é vital para a Nação para ser deixado nas mãos dos banqueiros.

Uma Nação se faz com aumentos salariais substantivos, a fim de que se crie um mercado forte, fazendo rodar com velocidade o círculo virtuoso da economia.
Não se constrói uma Nação com um povo miserável, sobrevivente, morando mal, alimentando-se mal, a quem se fornece apenas a ração necessária para que continue movimentando a máquina ou a enxada.
Uma Nação se faz com uma política agrícola que liberte o campo do latifúndio, do atraso, do arado, do domínio dos donos das patentes de sementes, de defensivos.
Uma Nação não constrói com a transformação de nossas melhores terras em plantations, produzindo grãos para alimentar o gado dos países desenvolvidos.
Uma Nação se faz respeitando os movimentos sociais, estimulando a organização e a elevação do nível de consciência política.
Não se constrói uma Nação criminalizando, indigitando as lutas e as demandas populares.
Uma Nação se faz com coragem, determinação, ousadia.
Não se constrói ma Nação com tibieza, covardia, submissão e entreguismo.
Senhoras e senhores senadores, essa a primeira de todas as reformas, a mãe de todas as reformas, a reforma econômica.
Afinal, o que queremos?
Uma Nação para os nossos ou um mercado para o desfrute dos outros.