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Representação ao MP-PR sobre a ilegalidade da antecipação dos dividendos da Sanepar ao Estado do Paraná

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA

ROBERTO REQUIÃO DE MELLO E SILVA, brasileiro, Senador da República, portador da cédula de identidade nº 258.890-PR, inscrito no CPF sob o nº 056.608.909-20, residente à Rua Frederico Cantarelli, nº 220, Bigorrilho, CEP 80.710-240, e domiciliado na capital federal onde hodiernamente exerce o mandato de Senador, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, apresentar o

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS

com base nos arts. 129 e 196 da Constituição Federal, pelos motivos a seguir expostos:

1. DOS FATOS

A mídia paranaense divulgou, nos dias 17 a 20 do mês de dezembro de 2013, que ocorreria, como de fato ocorreu, a antecipação da distribuição dos dividendos da empresa Sanepar.

O Estado do Paraná é o seu maior acionista, detentor de 58,7% da participação na companhia e, portanto, figura como o maior “beneficiário”(sic) do ato, percebendo valor estimado entre 50 e 60 milhões de reais.

Tal medida certamente foi tomada em decorrência dos problemas financeiros que o Estado do Paraná sabidamente vem enfrentando, tanto que era público e notório que havia grande risco do Estado não conseguir sequer pagar o 13º salário do funcionalismo público no corrente ano, conforme se infere:

“O atento jornalista Ângelo Rigon, do Caderno Maringá, registra hoje que o rombo no governo Beto Richa (PSDB) teria batido na casa de R$ 4 bilhões. Isto mesmo, caro leitor, R$ 4 bilhões o tucano precisaria para cobrir furos no caixa. Os 230 mil servidores correm o risco de ficar sem o 13º salário, afirma o experiente blogueiro maringaense.

Nesta quarta (20), os telefones da Polícia Militar do Paraná (PM-PR) foram cortadas por falta de pagamento. A Secretaria de Segurança Pública também ficou sem como fazer ligações com a interrupção do serviço telefônico.”[1]

No mesmo sentido, disserta-se:

“Aprovada pelo conselho de administração da Sanepar na última terça-feira, a antecipação da distribuição dos dividendos da empresa deve aliviar o caixa do governo do Paraná neste fim de ano. Com 58,7% de participação na companhia, o governo é o maior acionista e será beneficiado pela distribuição antecipada de um valor estimado entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões.

A antecipação do pagamento dos juros sobre o capital da Sanepar referente ao primeiro semestre deste ano será feita a partir de hoje, segundo aviso direcionado aos acionistas no site da empresa.

Isso deve aliviar o aperto financeiro do estado. O governo paranaense tem enfrentado problemas de caixa ao longo de todo ano. Até o mês passado, segundo admitiu o próprio governador Beto Richa (PSDB), os recursos necessários para o pagamento do 13.º salário do funcionalismo não estavam assegurados – o vencimento extra, porém, foi depositado na última quarta-feira.

A antecipação do pagamento, que em princípio ocorreria em 2014, foi criticada pelos adversários políticos do governo, sobretudo pelo senador Roberto Requião (PMDB) e pelo líder do PT na Assembleia, Tadeu Veneri. Requião, por exemplo, lembrou que recentemente a Sanepar aumentou a distribuição de dividendos para os acionistas de 25% para 50% do lucro.”

Desta feita, certo é que a antecipada distribuição de lucros da Sanepar contribuiu, e muito, com o Estado, para honrar ao menos o pagamento do 13º salário dos seus funcionários públicos. Aliás, há grande chance da medida ter sido adotada justa e exclusivamente mente com este escopo.

Outrossim, tem-se que a Sanepar é uma empresa de economia mista, constituída em 1963, que “destina-se à prestação de serviços públicos de abastecimento de água, de coleta, remoção e destinação final de efluentes e resíduos sólidos domésticos e industriais e seus subprodutos, de drenagem urbana, serviços relacionados à proteção do meio ambiente e aos recursos hídricos e outros serviços públicos relativos à saúde da população”.[2]

Todavia, a distribuição integral dos lucros da empresa impede o investimento no seu crescimento e na consequente melhora no serviço de abastecimento de água e de esgoto, que são, na realidade, o seu escopo e a própria razão de existir na empresa.

Ademais, na condição de sociedade de economia mista, a Sanepar deve, sim, respeitar determinadas leis e princípios de direito público, e deve, sempre, por ter o Estado como maior acionista, visar o princípio da supremacia do interesse público, o que definitivamente sequer foi considerado no caso em tela, mesmo porque os valores dos referidos lucros não devem ser utilizados para o custeio direto do Estado mas sim, como se disse, para os fins próprios que determinaram a criação por lei da SANEPAR.

Assim, há a indicação de que ocorreram irregularidades/ilegalidades detectadas na presente situação, conforme se verificará. Ademais, há indícios de que condutas ilícitas possam ter sido cometidas, devendo ser averiguado a possibilidade de prática de ato de improbidade administrativa, apto a lesionar inúmeros dos princípios constitucionalmente elencados, lesando o erário de forma grave e irreparável.

II – DO DIREITO

Há indícios de que possa ocorrer malversação do dinheiro público e, em tese, prática de ato de improbidade administrativa, além de outras condutas ilícitas, de modo que se faz necessária uma apuração acerca da regularidade do ato ora apresentado.

No presente caso concreto as irregularidades/ilegalidades, bem como a lesão a inúmeros princípios constitucionalmente elencados, podem ser indicados por duas razões.

A primeira delas é o fato de que não há como se auferir o lucro do exercício sem que esse exercício, no caso de 2013, tenha se encerrado.

Isso porque, conforme a Lei das Sociedades por Ações, a Lei 6.404, é permitido às SA’s antecipar distribuição de dividendos, mas isso exigiria a apuração dos lucros e decisão da assembleia geral, o que parece não ter ocorrido, para definir a destinação de parte deste lucro como dividendos, e parte como reservas que devem ser destinadas a programas de investimentos. Assim, deve se partir de uma hipótese: se é verdade que o lucro da empresa foi de 60 milhões, não faz sentido destinar este valor integral à distribuição de lucros, uma vez que é função institucional da Sanepar ampliar e aperfeiçoar os sistemas de abastecimento de água e de coleta de esgoto do Estado.

A segunda razão reside no fato de que nos últimos três anos, as tarifas cobradas pela Sanepar sofreram uma elevação de quase 40%, portanto, muito acima da inflação, que chegou perto de 19%. E é com esta elevação exorbitante das tarifas que a empresa tem produzido lucros exacerbados, sem que tenha aplicado parcela significativa na ampliação e na melhoria da qualidade dos sistemas de abastecimento de água e da coleta de esgoto no Estado.

Por fim, outro indício de ilegalidade que deve ser levantado é a burla por vias transversas e reflexas mas não menos grave ao regramento estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que veda a antecipação de valores por parte de empresas em que o Poder Público detenha a maioria do capital social com direito à voto, como no caso da Sanepar. Neste diapasão, o seu art. 37 assim dispõe:

“Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados: II – o recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação; (…)”

Neste aspecto em particular, ainda que se admita que as sociedades de economia mista não podem se subsumir à Lei de Responsabilidade Fiscal, o que é matéria de alta indagação e que merece maiores discussões doutrinárias e jurisprudenciais, a se analisar caso a caso, o que se verifica no caso em pauta é que se pode admitir que a Sanepar não precise seguir à risca a LRF, podendo, à luz dela, antecipar suas receitas.

Isso todavia implica que o Estado, beneficiário desse adiantamento, não pode receber antecipadamente esses recursos, bem como deles dispor sem quaisquer restrições, pois este sim, deve obediência estrita à LRF.

Neste diapasão, tem-se latente a burla do Estado do Paraná à legislação ora em comento.

Outrossim, a POLÍTICA DE DIVIDENDOS da Sanepar, apresentada na página da empresa na rede mundial de computadores, assim prevê:

“De acordo com o Estatuto Social da Companhia e a Lei das Sociedades Anônimas, dentro dos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, os acionistas deverão se reunir em Assembléia Geral Ordinária, para entre outras matérias, deliberar sobre a distribuição de dividendos, de acordo com a recomendação da diretoria executiva e aprovação do conselho de administração.

Os acionistas têm direito de receber, como dividendo obrigatório, em cada exercício, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado de acordo com o disposto no artigo 202 e seus parágrafos, da Lei nº 6.404/76.”[3]

Esta política espelha o disposto na Lei das SA, cujo art. 132, inciso II, determina que “anualmente, nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver uma assembleia-geral para: II – deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos; (…)”. Espelha, também, o que dispõem os artigos 27 a 30 do Estatuto Social da Sanepar, que determinam que os dividendos somente sejam pagos passados 60 dias da assembleia-geral.

É bem verdade que a Lei das Sociedades por Ações prevê a hipótese de pagamento antecipado de dividendos, nos termos de seu art. 204. Este artigo, todavia, limita tal prática às empresas que “por força de lei ou de disposição estatutária, levantar balanço semestral” declarem, “por deliberação dos órgãos de administração, se autorizados pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço”.

Ocorre que, para ser legal a distribuição antecipada de dividendos, faz-se necessário, antes de tudo, que a empresa levante balanço semestralmente, seja por disposição estatutária ou por lei.

Não é, todavia, o caso da Sanepar, uma vez que, tanto por lei como pelo estatuto, seu exercício social é anual. Neste esteio, o art. 27 do Estatuto é bastante claro e reza expressamente: “Art. 27 – O exercício social coincidirá com o ano civil, encerrando-se a 31 de dezembro de cada ano, quando serão elaboradas as demonstrações contábeis, em acordo com a legislação pertinente.”

Deste modo, a operação em questão passa, então, a ser tida como ilegal, caracterizando recebimento ilegal de dividendos e configurando a proibição contida na Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo art. 37 a equipara às operações de crédito, as quais elenca como proibidas:

“Art. 37. Equiparam-se a operações de crédito e estão vedados: (…) II – recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação”.

As constatações acima mencionadas levam ao lógico raciocínio de que se está diante de um indício de ilegalidade que precisa ser investigado e devidamente apurado.

Desta feita, o que aparenta é que, no caso em tela, o fim do ato praticado é diverso do previsto, uma vez que a verba extemporânea e irregularmente distribuída pela Sanepar possui fins diversos daqueles legalmente previstos, tendo sido realizada de forma diferente daquela por lei estipulada.

Tem-se que o interesse público foi desviado no caso em tela, vez que parcela do valor dos lucros da Sanepar deveria ter sido utilizado para investimento na melhoria e inovação na prestação de serviço de esgoto e de abastecimento de água para a população paranaense. Todavia, foi integralmente revertido para o bolso de seus acionistas, na contramão do que preleciona a legislação.

Além do mais, fere-se o princípio da legalidade na medida em que pratica ato contrário à lei plenamente vigente e burla o princípio da moralidade ao buscar vantagem pessoal vez que a paralização de muitos serviços do Estado, bem como o não pagamento do 13º salário aos funcionários públicos, acarretaria uma inevitável perda de popularidade dos gestores atuais.

O aumento na tarifa de água e a distribuição integral e extemporânea dos lucros da Sanepar lesa irremediavelmente o bolso dos paranaenses, mas de forma menos escancarada e menos clara aos olhos do cidadão.

Assim, tem-se que o princípio da legalidade nasceu para coibir que o administrador ultrapasse os limites impostos pela razoabilidade e pelo interesse da maioria. Isto preserva o bem público, impossibilita que o Chefe do Executivo cometa excessos por vontade pessoal e coíbe o poder autoritário.

Impende aduzir que, ao tratar da administração pública, o legislador constitucional impôs como princípios a probidade e a moralidade administrativa, estando, pois, os atos administrativos vinculados à legalidade.

Desta feita, tem-se que o Ministério Público, instituição essencial à função jurisdicional do Estado (art. 127, CF), é o órgão competente para promover tal averiguação, conforme preleciona a Constituição Federal:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (…)

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover inquérito civil e ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (…)”

Assim sendo, mister a apuração dos fatos levantados por parte deste Ilustre Ministério Público, que é a entidade máxima para conhecer e apurar eventuais lesões ao erário, bem como indícios de práticas ilegais adotadas pelos administradores públicos.

III- DO PEDIDO

Diante do exposto, requer-se ao Ilustre representante do Ministério Público que receba o pedido ora formulado e que após averiguação da legalidade, ou não, acerca das práticas ora elencadas e tome as providências que entender pertinentes.

Curitiba, 15 de janeiro de 2014.

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ROBERTO REQUIÃO DE MELLO E SILVA