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Requião convoca América Latina e Europa a resistir ao neoliberalismo

img_1271Na abertura da 9ª Sessão Plenária da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana, a Eurolat, nesta terça-feira, em Montevidéu, Uruguai, o senador Roberto Requião foi aplaudidíssimo ao mostrar que as alternativas neoliberais para a crise mundial afastam ainda mais as possibilidades de retomada do desenvolvimento econômico e submetem os mais pobres –povos e nações- a sofrimentos ainda maiores dos que lhes têm sido impostos.

-O desemprego atingiu níveis catastróficos em alguns países da Europa Ocidental, e, agora, também no Brasil. O Estado do Bem- Estar Social está sendo corroído velozmente pelas políticas neoliberais.  Esse tipo de economia política nos faz pensar que a Europa, mãe de revoluções, está apenas dormindo, inconsciente de sua própria tragédia. De novo um espectro a ronda.” disse o senador.

Requião afirmou ainda que em razão da avareza do capital, o pacto social básico que possibilitou durante décadas a convivência do capitalismo com o Estado de Bem-Estar Social foi rompido, estabelecendo-se a hegemonia do deus Mamon, como diz o Papa Francisco.

Logo, ponderou, corre-se o risco de um novo ciclo de convulsões sociais alimentado por uma luta de classes refundida, alastrando-se pelo mundo.

Já na América Latina, avaliou o senador, “a tragédia tem uma peculiaridade:  a crise econômica toma logo formas políticas, e uma das indicações é fazer da crise um simulacro de razões legais para derrubar presidentes da República legitimamente eleitos”.

O senador Roberto Requião é copresidente da Eurolat, representando a América Latina. A entidade reúne os Parlamentos Latino-americanos e o Parlamento Europeu. Na abertura da Assembleía, a convite de Requião, falou ainda o ex-presidente do Uruguai José Mujica. A assembleia da Eurolat estende-se até a próxima sexta-feira (23).

Leia a seguir o discurso do senador Requião:

O cenário internacional, no qual se movem nossas economias e nossas políticas, está dominado por nuvens excepcionalmente densas.

Tais ameaças afastam ainda mais as possibilidades de retomada do desenvolvimento econômico, pondo em risco a própria a paz.

Devemos, como políticos, assumir a responsabilidade de conhecer a natureza dessa crise e de reconhecer o imperativo inadiável de buscar saídas.

Do contrário todos, e sobretudo os pobres, serão submetidos a sofrimentos ainda maiores do que hoje são impostos.

Meu país, como sabem, passou por uma experiência política dramática, com o afastamento da Presidenta Dilma sem que ficasse provado qualquer crime de responsabilidade, pré-requisito de impeachment, segundo nossa Constituição. Isso ficou provado!

Mas não me alongarei sobre a questão brasileira, ainda em pleno desdobramento e cujas consequências são imprevisíveis.

No entanto, a crise em meu país deve ser vista no contexto de crises similares em outros países da América Latina onde, por artifícios diversos, presidentes democraticamente eleitos são apeados do poder.

Não é surpresa que todos esses presidentes fossem do campo progressista.

Também não é surpresa que todos eles, sem exceção, tentaram evitar a submissão de seus países às regras explícitas do neoliberalismo, como a privatização de bens públicos em larga escala e a preços promocionais.

É de conhecimento dos senhores que a crise por que passamos, América Latina e Europa Ocidental, tem uma dupla origem: a derrocada do capitalismo neoliberal, a partir de 2008;

e a insistência dos países desenvolvidos em impor a si mesmos e a outros países economicamente fragilizados o credo neoliberal, para reescrever a história e atribuir a crise à falta de convicção dos governos anteriores a 2008 na aplicação das políticas fundamentalistas.

É preciso ressaltar que o Governo norte-americano não tomou o veneno que receitou para as nações europeias e sul-americanas, através do FMI, do Banco Mundial, do BID e da OCDE.

Os Estados Unidos adotaram, explícita e radicalmente, uma política keynesiana no campo fiscal e monetário, com déficit de um trilhão e 400 bilhões de dólares, em 2009; um trilhão e 300 bilhões em 2010; um trilhão e 200 bilhões, em 2011; um trilhão e 100 bilhões, em 2012; e um trilhão, em 2013.

Só a partir de 2014 o déficit ficou abaixo da casa do trilhão de dólares, nível ainda elevadíssimo.

Como resultado, os Estados Unidos recuperaram o crescimento e o emprego apesar dos seus problemas bancários e da crise mundial.

Então, porque diabos, no Brasil, e no restante do continente, persignam-se, esconjuram e exorcizam quando se fala em déficit público?

Ao contrário dos norte-americanos, até mesmo a Europa mergulhou fundo no receituário neoliberal.

Seus sacerdotes, sediados sobretudo na Alemanha, em torno do Banco Central Europeu, obrigaram os países do sul do continente a trocarem a salvação dos bancos fortemente endividados – em consequência da orgia especulativa – pelo austericídio fiscal.

Os senhores são testemunhas de que BCE ofereceu crédito a zero por cento, sim, e pacotes de refinanciamento da dívida bancária.

Mas com a outra mão exigiu uma contenção fiscal extrema, que sucateia o setor estatal e impede novos investimentos públicos.

Em resumo, aos bancos tudo. Aos povos sangue, suor e… lágrimas, com o fim do Estado de Bem-Estar.

Desde os anos 30, o mundo sabe que nenhuma nação capitalista pode romper a crise de demanda sem recorrer a investimento público deficitário. É a lição imorredoura de Keynes.

É o que fazem os EUA e a China. Mas os EUA não deixam que outros também o façam.

O desemprego atingiu níveis catastróficos em alguns países da Europa Ocidental, e, agora, também no Brasil. O Estado do Bem-Estar Social está sendo corroído velozmente pelas políticas neoliberais.

Esse tipo de economia política nos faz pensar que a Europa, mãe de revoluções, está apenas dormindo, inconsciente de sua própria tragédia. De novo, um espectro a ronda.

Em razão da avareza do capital, o pacto social básico que possibilitou, durante décadas, a convivência do capitalismo com o Estado Social foi rompido, estabelecendo-se a hegemonia de Mamon, como diz o Papa Francisco.

Logo, corre-se o risco de um novo ciclo de convulsões sociais alimentado por uma luta de classes revivescida, que já se alastra pelo mundo.

Na América Latina, a tragédia tem uma peculiaridade:  a crise econômica toma logo formas políticas e transforma-se em desculpa para derrubar presidentes da República legitimamente eleitos.

Senhoras e senhores parlamentares.

Em 2008, logo depois que a crise explodiu, o G-20 reuniu-se em Washington e os líderes mundiais decidiram expandir vigorosamente as políticas fiscais e relaxar as políticas monetárias.

A mesma orientação comum foi tomada nas reuniões seguintes de Londres e Pittsburg, ambas em 2009.

Não havia surpresa.

Lembro-me muito bem, a palavra de ordem nos jornais de negócios: “agora somos todos keynesianos”. E até Marx foi revivido.

Todos sabiam que, com a economia em depressão, era fundamental ampliar os gastos públicos deficitários para reverter a queda da demanda agregada e estimular o crescimento do investimento, do emprego e da renda.

Mas, assim que os governos liberaram os bancos de suas dívidas e ativos podres o discurso mudou radicalmente.

Com nova orientação na Downing Street,10,  e a reconversão da França ao neoliberalismo, a Alemanha, com beneplácito de ambos, impôs aos países do euro uma contração geral, sob a consigna do  “exit strategy”, ou estratégia de saída das políticas expansivas keynesianas.

No Brasil, o presidente Lula tomou, no início da crise, a sábia decisão de seguir as recomendações de expansão fiscal do G-20.

Através do BNDES, o governo brasileiro injetou na economia, em 2009 e 2010, mais de180 bilhões de reais para investimentos. Ao lado disso, aumentou os valores do salário mínimo e da Bolsa Família, vínculou o reajuste das aposentadorias e pensões ao salário mínimo, fazendo da Previdência Social o maior distribuidor de renda do país.

Isso tudo teve grande impacto na demanda agregada e no investimento.

Em consequência, a economia cresceria 7,5% em 2010. O sucesso do Brasil seria festejado em todo Planeta. E Lula era o cara!

Infelizmente, em fins de 2010, seguindo a linha da “exit strategy” do FMI, as autoridades econômicas brasileiras se curvaram à ortodoxia neoliberal e a economia voltou ao ritmo lento.

A partir de 2015, radicalizou-se a submissão ao neoliberalismo e nossa economia teve a pior queda da história.

O resto da América Latina padece da mesma doença neoliberal. Como exportadora de commodities agrícolas e minerais, suas economias se sustentam cada vez mais na economia chinesa que segue firme com suas políticas keynesianas.

Europa e América Latina estão impondo a nossas populações sofrimentos terríveis, sem necessidade. Se rompêssemos com a ditadura de restrições fiscais e monetárias, recorrendo ao déficit fiscal direcionado a investimentos públicos, poderíamos a curto prazo recuperar o emprego, o investimento privado e o crescimento.

Basta coragem para confrontar a ortodoxia com sua incoerência e seus slogans de falsa responsabilidade fiscal.

O Brasil conseguiu manter uma baixíssima taxa de desemprego até 2014, mas desde lá, a taxa aumenta aceleradamente. Ainda sob o comando da presidenta Dilma sofremos o duplo impacto da chamada operação Lava Jato e do ajuste fiscal do ministro neoliberal Joaquim Levy, recém-premiado com uma diretoria no Banco Mundial.

Com isso, fomos à depressão de quase 4% do PIB, que deve se repetir este ano e no ano que vem.

Nossa saída é, insista-se, o investimento público deficitário. Mas o governo nascido do golpe do impeachment faz a política oposta, propondo inclusive o congelamento em termos reais do orçamento público por 20 anos, uma novidade mundial, uma iniciativa arrasa-quarteirão que vai espicaçar ainda mais as contradições de classe.

Os Estados Unidos não estão cumprindo suas responsabilidades como líderes da economia mundial. Em última instância, é Wall Street que governa o mundo, o que coloca o mundo sob o governo da ganância e da soberba.

Cito uma frase de Vladmir Putin, presidente da Rússia, em entrevista recente: “Os Estados Unidos são uma grande superpotência. São talvez a única superpotência do mundo. Mas não podem continuar com essa mania de intervir em nossos países. ”

Mas parece haver uma luz no fim do túnel no jogo econômico e geopolítico. É a China. Dada a forte interação entre a economia norte-americana e a chinesa, essas superpotências não deverão trocar a cooperação comercial pela guerra.

Ademais, o crescente comércio e cooperação da China com a Rússia, Índia, África do Sul e Brasil fortalecerá a rede mundial de relações econômicas e financeiras pacíficas e saudáveis que não passam por Wall Street, através do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos BRICS.

O aspecto mais relevante desse banco é romper, nos financiamentos de infraestrutura, com as condicionantes impostas pelo Banco Mundial e pelo FMI na tomada de recursos multilaterais e privados. Ou seja, é uma carta de alforria para as políticas monetária e fiscal vinculadas ao desenvolvimento, e não à ideologia neoliberal.

Há fundadas suspeitas de que os Estados Unidos, e as forças internas brasileiras com eles alinhadas, estiveram por trás do golpe do impeachment no Brasil. Com seu apego à hegemonia absoluta, Washington ainda não tomou consciência da necessidade de maior equilíbrio de forças e cooperação internacional para a paz mundial. Washington ainda considera um desafio inaceitável a aproximação econômica e, finalmente, geopolítica do Brasil com a China e a Rússia.

Assim como não aceitam que o pré-sal, provavelmente a maior reserva de petróleo de alta qualidade do mundo, nos torne uma potência energética; que rejeitemos o alinhamento automático com eles em favor do fortalecimento do Mercosul, da Unasul, dos Brics, de relações plurais e soberanas.

Senhoras e senhores parlamentares, especialmente senhoras e senhores parlamentares da América Latina.

O neoliberalismo estrebucha-se, é um morto-vivo que teima respirar. O mundo todo – até mesmo o FMI – vira as costas para as suas recomendações. No entanto, nós aqui do terceiro mundo, desses confins do mundo, estamos dando asilo ao neoliberalismo, oferecendo o sangue de nossa gente para mantê-lo vivo.

Não há meio caminho, não há como conciliar ou ceder: no plano interno, derrotar as propostas neoliberais de arrocho salarial, de sucateamento da Previdência, dos serviços públicos de saúde e educação, de cassação de direitos e garantias sociais, de precarização do trabalho; opor-se radicalmente às privatizações e ao saque de nossas riquezas.

No plano externo, juntemos as nossas fraquezas e as nossas forças, porque não há saída a não ser com a integração de nossos países, de nosso continente. Sozinhos, isolados, seremos presas fáceis do império das financeiro global.

O nosso destino é a unidade, as circunstâncias condenam-nos à parceria. Do contrário só resta a nossa transformação em estados associados das grandes potências, novos Portos Ricos.

Ao fazer isso, estaremos libertando os nossos povos e os povos de todo mundo, favorecendo o equilíbrio de forças internacionais, mostrando que há alternativas ao neoliberalismo.

O destino da humanidade não pode ser a guerra, a manipulação, a exploração e a miséria. Nosso destino deve ser a cooperação, a solidariedade, a fartura e a paz. Para isso é imprescindível rejeitar o neoliberalismo!

A derrota do neoliberalismo é a conditio sine qua non para a sobrevivência da própria humanidade.

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EuroLat – Acto Solemne de Apertura