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Requião esmiúça a incrível aliança do autoritarismo com o mercado

O senador Roberto Requião destrinchou nesta terça-
feira (23), no plenário, a composição das forças que
sustentam a candidatura do deputado Jair Bolsonaro.
Segundo ele, produz -se uma improvável tríplice aliança,
reunindo setores da classe média, o mercado financeiro e
defensores do autoritarismo. “Vai dar chabu”, afirmou.
Para Requião, as demandas da procissão de descontentes
que acompanha Bolsonaro são contraditórias com o
programa econômico anunciado pelo chefe da assessoria
do candidato, um programa ultraliberal, privatista,
entreguista e fortemente recessivo.
A seguir, texto e vídeo do discurso.

Talvez todas as palavras
tenham sido ditas; às vezes
em tom furioso; outras, em
inflexões moderadas, e nem
por isso menos contundentes.
Mas, ainda assim é preciso
falar. Nessas horas, calar-se
equivale à coautoria do
crime, como atenuá-lo
corresponde a praticá-lo.

Em fevereiro de 2011, no
primeiro discurso que fiz
desta tribuna, no exercício do
mandato que agora se
encerra, apontava uma
contradição original, liminar
entre o neoliberalismo e a
democracia. Considerava que
o avanço das reformas
neoliberais, a financeirização
da economia, com a
transformação até mesmo de
nossas vidas em
commodities negociáveis nas
bolsas….
….levariam inevitavelmente
à precarização das
instituições democráticas e
ao despertar do
autoritarismo.
Afinal, para que o reino do
mercado se estabelecesse em
toda a sua plenitude, as
instituições democráticas
deveriam ser enfraquecidas.

Como o mercado
representasse os interesses
minoritários na sociedade,
para se impor à maioria,
precisava subjugar o
Executivo, o Legislativo, o
Judiciário e os mecanismos
de controle da economia.
Assim como era necessário
precarizar o mercado de
mão-de-obra, com reformas
trabalhistas, previdenciárias.

Além, é claro, do
enfraquecimento do
movimento sindical e a
criminalização dos
movimentos sociais.
E para que tudo isso se
transformasse em realidade,
seria essencial o concurso da
mídia, o controle da opinião
pública, especialmente para
que todas as desgraças
consequentes do domínio do
mercado sobre a vida pública
e econômica…….
…… fossem atribuídas aos
políticos, à corrupção dos
políticos; aos partidos
políticos, às políticas
compensatórias, aos ideais
libertários e sociais da
esquerda.
Naquele discurso, quase
oito anos atrás, dizia mais.
Dizia que todo o avanço
obtido pelos oito anos do
Governo Lula seria
pulverizado…..
…. caso a política econômica
da presidente recém-
empossada, Dilma Rousseff,
não se opusesse fortemente à
ortodoxia e aos fetiches
neoliberais. Seguindo nessa
toada, alertava que
caminhávamos, sem
qualquer dúvida que fosse,
para a completa prevalência
dos interesses do mercado,
da globalização financeira,
sobre os interesses nacionais
democráticos populares.

Naquele discurso, para
arrematar essas inquietações
e cutucar os sentimentos
desta casa, especialmente,
para tentar despertar os pares
da então triunfante e
enganosamente poderosa
maioria, dizia que aquele era
o ambiente ideal para o
aquecimento do ovo da
serpente do autoritarismo,
espelhando-me no clássico
de Ingmar Bergman, síntese
genial do nascimento de
todas as hidras nazi-fascistas.
O que falei há oito anos
atrás não era uma profecia,
não tenho esse dom. Apenas
observava os acontecimentos
à luz da História. Mas, seja
como for, temos aí a
candidatura de Jair
Bolsonaro.
Na verdade, não é bem
uma candidatura. É um
movimento, uma procissão
de brasileiros desiludidos
com a política, revoltados
com corrupção, apavorados
com a perda de status….

……temerosos da pobreza,
indignados com a violência,
desesperados com a falta de
perspectivas, vítimas do
desemprego, do subemprego,
dos salários baixos, do
achatamento do poder
aquisitivo. Além é claro de
arrebanhar, como todo o
séquito do tipo, bandidos,
proxenetas, rufiões, atores
pornô que marcham ombro a
ombro com os defensores
dos bons costumes e da
família.
Um cortejo, um séquito
habilmente explorado nos
últimos anos pelos meios de
comunicação, as
Organizações Globo à frente;
estimulado pela conivência
dos nossos liberais
socialdemocratas, e pelo
ciúme doentio do príncipe
dos sociólogos; e
manipulado por um
Judiciário e um Ministério
Público parcialíssimos,
vesgos por seu parti pris
político-ideológico.

Todos as frustrações
reunidas galvanizadas por
uma ideia difusa de
revanche, de troco, de
vingança. Mas, eis a suprema
ironia: essa marcha dos
insatisfeitos acabou sendo
capturada pelos próprios
causadores da crise.

Assim, vemos uma
inusitada tríplice aliança,
reunindo expoentes do
autoritarismo, alguns deles
muito próximos do que
poderíamos classificar como
fascismo, os ultraliberais do
mercado, desde oportunistas
tipo Paulo Guedes até os
“economistas do PSDB”, e o
povaréu revoltado de cujo
descontentamento fazem-se
as massas do capitão.
Para mim, isso é inédito.
Aliança entre expressivos
contingentes da classe
média, de trabalhadores e de
lideranças relevantes das
Forças Armadas com o
liberalismo mercadista?
Qual é o elo de ligação de
um general Heleno com o
guru econômico do capitão
que pretende privatizar e
entregar tudo, desmantelando
o Estado Nacional, pedra por
pedra?

Que Estado sobrará,
senhores militares, para
sustentar os objetivos
nacionais permanentes ou
isso já não importa mais?
Que ponto de contato pode
existir entre os que clamam
por empregos, salários,
segurança, saúde, educação,
dignidade e respeito e um
programa econômico que
não reserva espaços para
essas demandas?

E que, pelo contrário, prega
o arrocho fiscal, a contenção
radical dos gastos e a
suspensão dos investimentos
públicos?
Nunca vi nada igual!
Vejam: se Trump, um
direitista para ninguém botar
defeito, expressou, de um
lado, algo semelhante nas
eleições presidenciais norte-
americanas, ao reunir as
massas descontentes,
antissistema…..

…….. de outro lado, ele
apresentou um programa
com forte marca nacionalista
e, em alguns aspectos,
antimercado e
antiglobalização financeira.
Mesmo a adesão ao Brexit
vem de parcelas da
população também
antimercado, antissistema, e
que se opunham ao arrocho
fiscal imposto pelo Banco
Central Europeu.
É aí que fico pasmo!

O mesmo desgosto, a
mesma revolta, o mesmo
desencanto, as mesmas
manifestações antissistema,
são, aqui no Brasail ,
abduzidas pelo ultra-
liberalismo!
Isso não vai dar certo. Não
dá liga. Vai dar chabu.

Como essas massas de
descontentes que se
enfileiraram ao tropel
autoritário vão reagir quando
as privatizações repetirem o
desastre fernandista, que
levou de roldão a Vale, as
teles, as ferrovias sem um
tostão de lucro para os
brasileiros, sem abater
centavo da dívida, sem gerar
empregos, sem aquecer a
economia, sem estimular a
produção?

Pior, obrigando o país,
logo em seguida, esmolar
recursos ao FMI. Se disso
poucos se lembram, mirem
então a vizinha Argentina
para saber como é.
Como essas massas vão
reagir à privatização da
Petrobrás, do sistema
energético e dos recursos
hídricos, do Banco do Brasil,
da Caixa, do BNDES, da
Embrapa, dos portos e
aeroportos, das riquezas do
subsolo……
…… quando a venda de todo
os bens da viúva não resultar
em nada para a geração de
empregos, para o avanço da
qualidade de vida, para a
diminuição dos juros, para o
desenvolvimento da ciência e
tecnologia, para a saúde,
para a educação, para
redução da violência e para e
a retomada da
industrialização?

Como reagirão os
brasileiros com essa
esterilização dos mais de 500
bilhões de reais que, segundo
calcula o senhor Paulo
Guedes, advirão da
liquidação em regra, total do
patrimônio público nacional?
Será que ainda antes das
eleições haverá tempo para
despertar esses brasileiros
que engrossam as hordas
bolsonaristas da arapuca que
lhes armam os neoliberais?
Da treta que engatilham o
mercado, os bancos e os
capitais transnacionais e os
interesses geopolíticos norte-
americanos?
Quando as classes médias
desse país, que formam a
grande parte dos hostes de
Biolsonaro vão perceber que
são apenas a bucha de
canhão….
……. a massa de manobra do
mercado, dos homens mais
ricos do Brasil e do capital
financeiro nacional e
internacional?
Diante disso, ainda mais
uma vez, manifesto a minha
estupefação.
Há muita gente
construindo paralelos entre
os bolsonaristas e os
movimentos fascistas
europeus da década de 20,
30, 40. Nada a ver.

O nazismo, o fascismo, o
franquismo, o salazarismo,
os quislings são fortemente
nacionalistas, anti-
imperialistas. E defendem
com toda radicalidade o
Estado Nacional, as
empresas nacionais, o capital
nacional, os trabalhadores
nacionais, o mercado
nacional.
Se abstrairmos os aspectos
autoritários que podem
aproximar o candidato do
PSL dos movimentos que
citei, pouco resta que os
identifique ou avizinhe-os.
Assim, querer associar as
propostas de Horace Greeley
Hjalmar Schacht com as de
Paulo Guedes, por exemplo,
além da impropriedade de se
comparar o economista do
“milagre alemão” com o
especulador medíocre,
limitado…..
…. é não conhecer economia
e muito menos história.
Por diversas vezes, nesses
quase oito anos, externei
preocupações com as
manifestações políticas
tardias, extemporâneas em
nossa sociedade. Aquelas
irrupções retardadas, fora de
propósito ou sentido que,
como um eco distorcido,
dissonante da história
ribombam em espaço e
tempo desajustados.
Eis que a candidatura de
Bolsonaro também reproduz
essa atemporalidade ao trazer
para a cena política nacional
o espectro do comunismo, ao
ponto do candidato ameaçar
os “vermelhos” com a prisão
ou a expulsão do país.
Deus meu! Existe coisa
mais destrambelhada,
delirante do que ressuscitar
aqui o fantasma do
comunismo, quase trinta
anos depois do fim da guerra
fria?

Fico impressionado e
pergunto: por que a direita
brasileira decidiu tirar do
fundo baú a ameaça
vermelha? O que está por
trás disso? A procura de um
inimigo para excitar o
imaginário popular e
religioso e desviar a atenção
do povo dos verdadeiros
adversários dele e do país?

Essa mobilização de
milhões de brasileiros,
especialmnete entre católicos
e evangélicos, contra um
perigo vermelho inexistente
é uma das mais canalhas,
safadas, sórdidas manobras
de nossas elites para impor a
sua agenda neoliberal, anti-
Brasil, anti-trabalhadores,
antidemocrática.
A coisa chega a um ponto
de fanatismo e estultícia que,
semana passada, um grupo
de manifestantes católicos,
aqui em Brasília, insurgiu-se
contra a iluminação cor de
rosa da catedral, nesse
outubro-rosa de combate ao
câncer da mama, dizendo
que aquele rosa era, na
verdade, “vermelho
comunista” e exigia que a
arquidiocese o apagasse.
Mas essas besteiras, essas
asnices são secundárias,
folclore de um tempo
tenebroso, escuro, inculto.
Porque o que interessa é a
soberania do país, a defesa
patriótica de nossas riquezas,
a relançamento da economia,
a reindustrialização, os
direitos dos trabalhadores, o
Estado de Bem-Estar Social,
o emprego, os salários, os
investimentos em saúde,
educação, infraestrutura e
segurança.O resto é manobra
diversionista.
Quem viver, verá.
Ah, sim, antes que termine:
será que o Judiciário e o
Ministério Público não
entenderam até agora
que fazem parte de um
sistema em crise, que eles
não pairam no éter, apartado
de tudo, divinamente
entronizados nas nuvens?
Quando suas excelências
vão descer a terra dos
homens para ver o que
acontece aqui entre nós, os
mortais?
Para concluir, uma
autocrítica. Tempos atrás fiz
um discurso dizendo que
“havia juízes em Berlim”.
Retiro o que disse.