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Página IncialArtigos e discursosAbertura da Conferência MOP3-COP8. Maio de 2008.

Abertura da Conferência MOP3-COP8. Maio de 2008.

Meu caro amigo Ahmed Djoghlaf, secretário executivo da Convenção da Diversidade Biológica.
Senhoras e senhores representantes de governos e de organizações não-governamentais.
Ambientalistas e bravos militantes da causa da Terra.
Venho a esta Conferência ainda entristecido com a saída da companheira Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente do Brasil. Acredito que este também seja o sentimento de todos aqueles que lutam, resistem e persistem em defesa da vida em nosso Planeta.
Tenho forte na lembrança o discurso emocionante de Marina Silva na COP 8, realizada em Curitiba, no Estado que governo, o Paraná, há dois anos.
Marina falou de sua infância na selva amazônica. O pai, seringueiro, distanciava-se longe de casa para colher o látex. Para se comunicar com ele, em situações de urgência, ela e os irmãos batiam nas raízes expostas de uma gigantesca árvore, a samaúma, arrancando um som semelhante ao de um tambor. E em toda a floresta ecoava a mensagem.
Marina conclamava-nos a fazer o mesmo. A bater forte, insistentemente, ritmadamente na samaúma do meio ambiente, fazendo soar pelo mundo o grito de socorro em favor da Terra.
Tive uma convivência fraternal com a Marina no Parlamento brasileiro, quando éramos ambos Senadores da República. Depois, no Governo do Paraná e ela no Ministério do Meio Ambiente, desenvolvemos uma consistente e proveitosa parceria.
No Senado e no Ministério, a mesma Marina, fisicamente frágil, trazendo no corpo as marcas da floresta, mas a voz vibrando a paixão de suas convicções. Ao longo de minha vida pública não conheci poucos que se doassem tanto quanto ela. Com tanta pureza de alma, com tanta rigidez de princípios, e com a doçura dos bem-aventurados.
Ela sai do Ministério, volta ao Senado brasileiro para continuar o bom combate, fazendo ribombar a sua samaúma. Se, de um lado, ficamos tristes com a sua saída do Ministério, de outro, alegramo-nos com a sua volta a uma militância mais desimpedida, sem as injunções naturais do cargo.
De todo modo, o seu pedido de demissão é um alerta para todos nós. É um sinal de que nunca devemos frouxar as defesas, já que enfrentamos um inimigo solerte, persistente, cada vez mais voraz.
Do novo ministro, Carlos Minc, o Brasil e o Planeta Terra esperam a mesma firmeza e a mesma inflexibilidade de Marina Silva. Afinal, o que está em jogo é a própria vida, sob todas as formas, neste canto do Universo.

Senhoras, senhores.
Há pouco, assinei um acordo com o nosso bom amigo Ahmed Djoghlaf assumindo o compromisso de plantar l00 mil árvores no Estado do Paraná, para compensar as emissões de CO2 pelo Secretariado da Convenção da Diversidade Biológica, nos próximos dois anos.
Ao mesmo tempo em que reafirmamos a nossa política ambiental, que tem no plantio de árvores um de eixos principais, homenageamos as mulheres e os homens que fazem da preservação da biodiversidade razão de vida.
Esse compromisso de plantar l00 mil árvores é também uma homenagem ao secretário executivo da Convenção, Ahmed Djoghlaf, entusiasta de nosso programa de preservação e reposição florestal e que, em 2006, participou deste esforço plantando uma árvore em terras paranaenses.
Ahmed, a muda que você plantou, uma muda de araucaria angustifolia, a árvore símbolo do Paraná, cresce exuberante, para se transformar em um belo e imponente pinheiro, abrigo seguro para a Gralha Azul, cyanocórax caeruleus, ave símbolo do Paraná ameaçada de extinção por causa da destruição de seu hábitat natural, as florestas de araucária.

Senhoras, senhores.
É significativo que esta Conferência reúna-se sob o signo de uma anunciada nova crise mundial de alimentos. Seja ela real, um fato, ou seja um ensaio especulativo do multibilionário cartel das transnacionais dos alimentos e das sementes, a verdade é que o tema impõe-se.
A predita crise entrelaça-se com o avanço da produção de biocombustíveis; no caso brasileiro, com o alargamento dos espaços agricultáveis destinados à cana-de-açucar.
No entanto, não creio que possamos responsabilizar os biocombustíveis pela escassez -real ou especulativa- dos alimentos. Ainda não. Parece-me que as causas sejam outras.
Enumera-se com os dedos de uma mão, o número de traders globais que açambarcam o mercado de alimentos em nosso planeta. E são tantas ou menos ainda, as transnacionais que dominam a produção de sementes, notadamente as geneticamente modificadas. Assim como monopolizam o mercado de defensivos agrícolas.
E que compromissos esses gigantes globais têm com a nutrição dos povos e o combate à fome?
Seria tedioso, repetitivo desfilar aqui exemplos, casos clássicos, da destruição da agricultura local pelas transnacionais. Afinal, para elas, os alimentos não são mais que commodities, simples mercadorias com que negociam à busca do lucro máximo.
Existe uma incompatibilidade de origem entre a boa nutrição e um mundo sem fome, e um sistema de monopolização do mercado internacional de alimentos e de cartelização da produção de sementes e insumos agrícolas. Os interesses dos povos e dos cartéis são excludentes, inconciliáveis.
Vale lembrar que há algumas décadas atrás, os cartéis do agronegócio haviam prometido erradicar a fome no mundo no espaço de vinte anos. As sementes transgênicas, os novos defensivos, a tecnologia e aquilo que, enganosamente, chamavam de “revolução verde”, eliminariam a espectro da fome da face da terra.
A verdade é que hoje, frustrada a ilusão da terra prometida, vivemos uma situação pior do que há quatro décadas atrás.
Em sua estratégia de dominação, a agroindústria global confronta-se com a cadeia de produção e distribuição de alimentos da pequena agricultura, da agricultura familiar. Exatamente aquele segmento que coloca o alimento de cada dia em nossa mesa.
No Brasil, praticamente tudo o que se serve diariamente à nossa mesa vem da pequena propriedade rural. São os pequenos proprietários, são os agricultores familiares os que podem promover a auto-suficiência alimentar, enquanto o agronegócio das grandes corporações privilegia a monocultura, a produção de commodities alimentares.
As traders dos alimentos e das sementes, tal como se comportam hoje, são duplamente deletérias. Pela estratégia de dominação da produção e do mercado, e pela falta de compromisso real com o meio ambiente. Tomemos como referência as sementes geneticamente modificadas. De um lado, submetem os agricultores à dependência de suas patentes e, de outro, contaminam irresponsavelmente a natureza, sem qualquer precaução, sem a certeza de que o solo, a fauna, a flora e o homem estejam imunes aos riscos.
Enfim, tão importante quanto proteger o meio ambiente é a execução de políticas de governo voltadas aos pequenos agricultores.
É o que estamos fazendo no Paraná, com sucesso.
Mais de 70 por cento das propriedades rurais de meu Estado são pequenas propriedades. Torná-las viáveis, produtivas, tecnologicamente avançadas e compatíveis com o meio ambiente foram os desafios que enfrentamos e estamos vencendo.
Hoje, todo o conjunto de ações governamentais na área agrícola direciona-se à pequena agricultura, à agricultura familiar e aos assentamentos de reforma agrária.
Eletrificação, irrigação, tratores, sementes selecionadas, assistência técnica de propriedade a propriedade, escolas agrícolas, treinamento intensivo em técnicas agroecológicas, infraestrutura adequada para o escoamento da produção, manejo ecologicamente correto do solo, facilidades de acesso da produção às redes de distribuição e comercialização, centrais públicas de abastecimento, acesso ao crédito através de um programa em que o governo do Estado comparece como avalista do produtor, financiamento de compra de tratores e implementos com equivalência em produto, isto é, a moeda é aquilo que agricultor produz.
Depois de cinco anos de aplicação dessa política, os resultados são magníficos. Pela primeira vez em décadas, o Paraná conteve o êxodo rural. Em vez de perdermos propriedades, estamos vendo aumentar o número delas.
Aquela cena clássica do abandono do campo, por falta de apoio estatal, com o correspondente inchaço urbano, começa a ser desfeita.
Quer dizer, estamos comprovando no Paraná que o combate à fome, que aumento da produção de alimentos faz-se fundamentalmente como a viabilização da pequena agricultura, da agricultura familiar e dos assentamentos de reforma agrária.
Aproveitamos este fórum mundial para anunciar a nossa disposição em transferir para outros países a experiência de apoio à pequena agricultura, assim como a experiência de conciliação da produção agrícola com a preservação do meio ambiente.
Os governos e os governantes devem assumir a responsabilidade pelo enfrentamento dos cartéis, que espalham a fome porque o seu apetite por lucros é insaciável. Do contrário, daríamos razão a Walter Benjamin, que dizia: “Deus é quem nutre todos os homens. O Estado é quem os reduz à fome”.
Por fim, gostaria de prestar contas a esta Conferência das ações de meu Governo em favor do meio ambiente. Faço-o em homenagem às mulheres e aos homens aqui reunidos que se mobilizam com tanto fervor e dedicação à defesa da vida em nosso lar no Universo.
Falei no início que um dos eixos de nossa política ambiental é o plantio de árvores, repondo especialmente às margens de rios, lagos e fontes a vegetação original que o avanço da agropecuária e da urbanização degradou.
Desde 2004, quando começamos este programa, já plantamos mais de 80 milhões de mudas de espécies nativas. A meta é plantar 100 milhões de árvores, até 2010. Sem dúvida, o Programa Mata Ciliar é hoje uma das mais consistentes iniciativas de recuperação da cobertura florestal do mundo.
Esse programa colabora também com o esforço de combate ao aquecimento global com o registro, até a presente data, da captura de 988 mil toneladas de carbono –CO2- da atmosfera.
O Paraná tem uma riquíssima diversidade biológica, toda ela sob risco permanente já que o meu Estado é também o maior produtor brasileiro de grãos. Por isso, criamos o programa Paraná Biodiversidade, em parceria com o Banco Mundial, que hoje considera a nossa iniciativa uma experiência pioneira, internacionalmente.
O programa formou três corredores de biodiversidade, conectando remanescentes florestais, facilitando o fluxo das espécies em mais de dois milhões de hectares. Ao mesmo tempo em que implantamos dezenas de módulos agroecológicos, onde a produção está em sintonia com a conservação ambiental.
Os resultados dessa ação estão sendo animadores. Já é possível constatar o aumento em l33 mil hectares nas áreas de florestas na região dos corredores de biodiversidade. É gratificante, é emocionante ver a floresta renascer e encher-se de vida.
Ao mesmo tempo, instituímos a Política Estadual de Proteção à Fauna Silvestre, criando um sistema que articula instituições e reúne esforços em defesa da vida silvestre. Também aqui os resultados têm sido estimulantes.
Não se protege a fauna, não se preserva a flora sem o alargamento das unidades de conservação, os parques e as reservas florestais. Pois bem, nos últimos anos, acrescentamos mais um milhão e trezentos mil hectares às áreas protegidas pelo Estado. Isso faz com que o Paraná seja hoje o estado brasileiro com a maior porção de Floresta Atlântica preservada em todo o Brasil. A exuberante, magnífica e tão única Floresta Atlântica, um patrimônio que a humanidade não pode prescindir.
O Paraná é também o Estado brasileiro que possui o maior número de Reservas Florestais Particulares do Patrimônio Natural. Trata-se de uma parceria que está dando certo entre o Governo e a iniciativa privada.
O Código Florestal Brasileiro estabelece que todas as propriedades rurais do país devem reservar parte de suas áreas para conservação permanente. Embora essa legislação date de 43 anos atrás, pouco se fez. Pelo contrário, os números da devastação acumulam-se a cada minuto. De todo modo, no Paraná estamos avançando. Já cadastramos perto de sete milhões de hectares de terras agrícolas para fixar as áreas de preservação.
Ainda, para incentivar a preservação, criamos um incentivo tributário, repassando cinco por cento do Imposto sobre Circulação de Mercadoria –equivalente ao imposto de valor agregado aqui na Europa- para os municípios que tenham em seus territórios mananciais de abastecimento público, terras indígenas ou unidades de conservação.
Desde que essa Lei foi instituída, na década de 90, quando fui governador do Paraná pela primeira vez, já repassamos o correspondente a 3l bilhões de euros a 133 municípios, premiando-os pela contribuição na proteção do meio ambiente.
Hoje, mais dez Estados brasileiros implantaram a lei do imposto ecológico, baseados na proposta do Paraná.
Também de forma pioneira, o Paraná estabeleceu um Zoneamento Ecológico-Econômico. Ao lado do Zoneamento Agrícola, que orienta os nossos agricultores o que plantar, onde plantar nas diversas regiões do Estado, temos agora um Zoneamento Ecol&oacute
;gico, fixando medidas e padrões de proteção ambiental. É um instrumento de gestão democrática que conta, fundamentalmente, com a mobilização e a participação dos agricultores.
Nos últimos três anos, acreditamos ter construído o mais importante sistema de desenvolvimento sustentável e de garantia de qualidade ambiental em nossas áreas litorâneas. O estuário lagunar paranaense é considerado o maior berço marinho para a reprodução de espécies do Atlântico Sul. Esse magnífico criadouro tem que ser protegido sob toda prova.
Assim, o programa de Zoneamento Costeiro e Marinho inclue as baías de Paranaguá, Guaratuba, Antonina e Guaraqueçaba, um complexo marinho de 52 mil quilômetros quadrados. O nosso estuário lagunar é reconhecido como Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e suas unidades de conservação são reconhecidas como sítios do Patrimônio Mundial pela UNESCO.
Hoje, temos um banco de dados extremamente preciso de nosso litoral, sua complexidade, sua potencioalidade, sua fragilidade.
Quanto à Agenda 21, institucionalizamos o Fórum Permanente da Agenda 21 Paraná, reunindo representantes do Governo e da sociedade civil. Quer dizer, no Paraná, a Agenda 21 faz parte das ações públicas. Nesse sentido, merece registro a criação do Pacto 21 Universitário, comprometendo as nossas instituições de ensino superior na luta em defesa das boas práticas preservacionistas e pelo avanço da justiça social.
Outra ação que tem mobilizado os paranaenses é o Programa Desperdício Zero, que tem como meta eliminar os depósitos de lixo a céu aberto e reduzir em pelo menos 30 por cento os resíduos gerados no Estado. Para tanto, buscamos mudar, transformar atitudes e hábitos de consumo, combatendo o desperdício, estimulando a reutilização e a reciclagem de materiais.
Também aqui, estamos acumulando números animadores, como o recolhimento de pneus usados, de óleo de cozinha, de vidros, além de reutilização de garrafas PET e das embalagens tetra pak na construção de aquecedores solares.
Do ponto de vista organizacional, dotamos o Estado de instituições adequadas, funcionais para que esse conjunto de ações tenha êxito.
A fim de que a prevenção, a fiscalização e a contenção dos desvios possam ser eficientemente levadas a termo, instituímos a Força Verde, reunindo técnicos do Instituto Ambiental e do Batalhão da Polícia Ambiental, uma unidade da Polícia Militar que criei para dar mais vigor, mais poder na frente da batalha pelo meio ambiente.
A Força Verde tem uma frota de aviões, motoplanadores, helicópteros, barcos, motos e veículos especiais.
Paralelamente a tais iniciativas, desenvolvemos um amplo, abrangente e forte programa de inclusão social, buscando trazer para o nosso mundo, convívio e desfrute das conquistas da civilização, aquelas pessoas que o modelo de desenvolvimento liberal ou neo-liberal relegou à margem do nosso tempo.
Não existe separação entre a frente de batalha do meio ambiente e a frente de batalha pela construção de uma sociedade fraterna, solidária, mais igual, feliz e avançada.
No entanto, existe uma contradição in limine, de origem, inconciliável, antagônica, que se repelem, entre a globalização neo-liberal e a preservação, a existência mesmo, de vida, de toda forma de vida, na Terra.
A incompreensão desse antagonismo fará com que continuemos, como se diz no Brasil, a dar murros em ponta de faca, a marcar passos no mesmo lugar, a restar paralisados.
Há dois anos atrás, no Brasil, falando na abertura da COP 8 e da MOP 3, insistia quanto à urgência e ao alcance das medidas salvacionistas, uma vez que já havíamos ultrapassado todo e qualquer limite de irresponsabilidade com relação a este frágil e tão sensível planeta azul.
Passados dois anos se, de um lado, podemos saldar avanços, de outro, apavoram-nos, aterrorizam tanto as agressões ao meio ambiente –a que meu país, desgraçadamente, contribui- quanto o aumento da miséria, da fome, da exploração do trabalho, do assalto à soberania das nações e dos povos, o desrespeito à pluralidade, à diversidade cultural.
Á resistência, à luta.

Caso o nosso sonho rebelde, juvenil, generoso de um mundo pacífico, harmonioso, justo e em perfeito congraçamento com a natureza não tenha se transformado em realidade, no tempo e espaço que imaginávamos, se a marcha para esse devir tenha sofrido tantos contratempos e recúos, isso não quer dizer que estávamos errados ou menos certos.
Se valeu a pena ter sonhado, se não arrependemos ou não traímos nossos devaneios, mais ainda vale a persistência na luta. Que um dia, mais um dia, venceremos.