Página IncialArtigos e discursosGuerra fiscal. Texto e contexto

Guerra fiscal. Texto e contexto

Guerra fiscal. Texto e contexto

• A Constituição Federal “cidadã” (expressão de Ulysses Guimarães, ao promulgá-la em 1988), promoveu repartição das rendas tributárias em maior volume para Estados e Municípios, deixando, todavia, um cheque em branco para a União reconquistar sua participação relativa no bolo tributário mediante a invocação uma palavra mágica: “contribuições sociais”. Como estas contribuições não são partilhadas com Estados e Municípios, a União foi progressivamente abocanhando parcelas de renda a este título (Pis, Cofins, Csll). Logo, a “guerra fiscal”, como substrato da recomposição do poder político definido pelo maior volume de recursos tributários contido no respectivo erário, já se iniciara tão logo a Carta cidadã saiu às ruas. (Tão apenas para registro, a CF-1988 recebeu, até março de 2012, 70 Emendas.)
• Até 1996, os Estados tinham, como uma de suas fontes de receita tributária, a derivada da competência de exigir o Icms sobre produtos primários e semi-elaborados exportados. Com o advento da Lei Kandir (LC 87, de setembro de 1996), essa fonte secou. Embora a União assumira o dever legal de ressarcir os Estados das perdas dessa receita advinda das atividades de exportação, a partir de 2005 ela reduziu significativamente a consignação nos orçamentos federais dos valores a serem repassados. Os Estados, ao seu turno, foram deixando de devolver para as empresas exportadoras, ao tempo e à hora, os créditos de Icms por elas acumulados.
• Como antes se averbara, a União passou, sistematicamente, a ampliar suas receitas tributárias mediante a incidência de contribuições sociais (Pis e Cofins) sobre produção e consumo, bases econômicas clássicas de percussão do Icms. E mais: instituiu, também, a cobrança de Pis e Cofins nas importações. (As contribuições sociais representam receita exclusiva da União, não partilháveis com Estados e Municípios.)
• Não é de estranhar, portanto, que, à míngua de um programa harmônico e articulado entre União, Estados e Municípios para extrair recursos da sociedade pela via de tributos, se gerou um ambiente propício de estimulação à disputa por receita pública.
• Cada Estado, assumindo sua condição de ente subnacional, tratou, autonomamente, de manejar instrumentos próprios para incentivar o florescimento e a expansão de negócios em seu respectivo território, mediante a concessão de benefícios fiscais os mais variados, mesmo à revelia do Confaz.
• Este panorama foi sendo desenhado ao longo dos anos e o arcabouço legal para implementar a dita “guerra fiscal” foi erigido em um contexto de forte expansão da carga tributária brasileira como proporção do PIB (hoje, em torno de 36%). Diante disso, também é perfeitamente admissível entender-se que os benefícios fiscais concedidos pelos entes tributantes (União, Estados e Municípios) representam tão somente um eufemismo justificador da atenuação de ônus tão elevado para um País em desenvolvimento.
• Tendo em conta que as relações entre Estado e cidadão devem se pautar pelos princípios da segurança jurídica e da boa fé, outro valor – o da moralidade pública – há de impor a convalidação de todos os procedimentos, todos os atos praticados pelo cidadão (contribuinte) ao ser proclamada a inconstitucionalidade ou ilegalidade de determinado preceito que contemple minoração de carga tributária por via de incentivos fiscais, ora aqui tidos aqueles concedidos pelos Estados sem arrimo em deliberação do Confaz.
• Infere-se dessas considerações que, a ausência de uma política estratégica para a Nação prosperar economicamente, as órbitas subnacionais de poder político (Estados e Municípios) continuarão a erigir, por iniciativa própria, ferramentas para talhar, balizar os seus respectivos programas de desenvolvimento.
• A título ilustrativo, o Projeto de Resolução do Senado n. 72-2011, recentemente aprovado e propalado como marco de extinção da “guerra fiscal” dos portos, logo receberá reação dos Estados atingidos (1) mediante medidas judiciais (por ofensa ao art. 152, da CF-1988, e ao processo legislativo – que, para o caso, requereria lei complementar, segundo os expertos; e (2) mediante a construção de benefícios alternativos, no âmbito de seus territórios, que compensem, parcial ou integralmente, o tratamento tributário praticado até o advento da dita Resolução.
• Providência similar, com engenho e arte, há de ser adotada pelos administradores públicos dos entes subnacionais – informa-nos a evolução histórica nessa seara – sempre que ocorrer a retirada de algum incentivo fiscal do mundo jurídico.
• Tudo assim considerado, é necessário concluir que, no Brasil, ainda viceja elevada instabilidade no campo tributário, a impor embaraços à planificação segura e sem sobressaltos dos negócios. É que o sistema de tributação brasileiro foi modelado de sorte a extrair recursos da sociedade preponderantemente pela via de incidência dos denominados tributos “indiretos”, que se incrustam nos preços dos bens e serviços. (Mais de 75% das receitas tributárias da União, Estados e Municípios são levadas aos erários pelas pessoas jurídicas. Percebe-se, de conseguinte, que nossos governantes apreenderam muito bem as lições do Ministro das Finanças do Rei Luís XIV, Jean Baptiste Colbert (séc. XVII), segundo o qual a “a arte da tributação consiste em arrancar o máximo de penas de um ganso com o mínimo de grasnidos”. As empresas, entes abstratos, não foram dotadas do poder de ‘grasnir’, embora lhes sejam arrancadas tantas penas.)
Maurílio L. Schmitt
Economista
Heron Arzua
Advogado