Página IncialArtigos e discursosO que o Governo espera da PEC241/55

O que o Governo espera da PEC241/55

O ministro Henrique Meirelles mandou para o Congresso uma peça de ficção de 26 páginas artisticamente encadernadas e com um longo anexo de perguntas e respostas a fim de justificar a PEC-55.

      Qualquer pessoa que tenha um mínimo de bom senso pode se dispensar de ler o papelório e concentrar-se exclusivamente na página 21, sob o título “Como o reequilíbrio das contas ajudará na retomada do crescimento econômico”.

    Vejamos, um a um, cada efeito que Meirelles anuncia em relação à nova PEC. No total são seis consequências.

    Na essência, trata-se do que o governo espera da aprovação da medida. É claro que se alguma delas não funcionar, mas outras funcionarem, teremos um resultado razoável. A economia, todos sabemos, não é uma ciência exata.

    Entretanto, que tal se todos os resultados são a mais acabada falácia, produto exclusivo da imaginação de Meirelles? Veja-se uma a uma.

1.Primeiro efeito da PEC, segundo Meirelles: “Aumento da confiança”

  Nada mais falso.

  Não é o reequilíbrio das contas que ajudará na retomada do crescimento econômico, mas a existência de demanda efetiva na economia, isto é, o fato de os consumidores terem renda, emprego e disposição para comprar.

    O investidor produtivo tem em vista o mercado, não as intenções do Meirelles ou sua demagogia neoliberal e mistificadora.

    Enfim, confiança empresarial é efeito do crescimento econômico, não a causa.

2. Segundo efeito: “Retomada do investimento privado.”

    Outra ficção. Como eu, investidor, vou investir se a economia está numa depressão de cerca de 8% acumulados em dois anos, a taxa de desemprego alcança quase 12% e a renda está em queda?

    Vou investir em produção e quem vai comprar? Na verdade, a confiança que se está construindo é exclusivamente para os especuladores financeiros que não dependem de demanda de produtos e serviços, mas da disposição do governo de pagar juros escorchantes sobre a dívida pública, objetivo último da PEC.

3. Terceiro efeito: “Crescimento econômico. ”

     Não há a mais remota possibilidade de algum crescimento econômico resultar de um regime fiscal de congelamento de gastos correntes e de investimento. Crescimento econômico, numa situação de depressão como a em que estamos, exige ampliação de gastos fiscais, sejam gastos correntes, sejam de investimentos.

      Essa é a primeira lição de uma economia estimulada por métodos keynesianos. O efeito de crescimento do déficit fiscal é imediato, como se reconhece no próprio documento de Meirelles, só que mascarado por um raciocínio falacioso sobre o aumento da dívida, que na verdade cai como relação ao PIB.

4. Quarto efeito: “Emprego e renda.”

    Outra absoluta falácia. Emprego e renda são resultantes de uma economia em crescimento e só aparecem na primeira fase de um processo de expansão quando fruto de  uma política deliberada de gastos públicos deficitários, nunca do congelamento de despesas fiscais.

   Já o crescimento derivado da ampliação de gastos públicos deficitários contribui para a expansão do emprego e da renda, gerando um círculo virtuoso de crescimento da economia, e reduzindo a relação dívida/PIB.

5. Quinto efeito: “Mais recursos disponíveis para investimento e consumo. ”

     É inteiramente falso!

     Na medida em que o setor público congela os gastos orçamentários, é imediatamente reduzida a demanda de bens e serviços do próprio setor público sobre a economia privada, congelando as oportunidades de investimento e consumo reais, não financeiros.

    Se a economia está em depressão, como é o nosso caso, o setor privado, mesmo que tenha recursos disponíveis para investimentos – como de fato tem, aplicados na dívida pública -, não realiza investimentos reais porque não tem demanda, conforme mencionado.

6. Sexto efeito: “Queda de juros estrutural.”

    Esta é a mãe de todas as falácias. A taxa básica de juros, chamada Selic, nada deve às forças de mercado ou mesmo ao regime fiscal proposto por Meirelles.

Ela obedece exclusivamente às determinações do Copom, que por sua vez condiciona as decisões do Banco Central.

     É o Banco Central, em última instância, que determina a taxa de juros. E na prática ele obedece às determinações do mercado financeiro especulativo, comandado pelo Itaú e Bradesco. Afirmar que a taxa de juros “estrutural” – aliás, não se sabe o que é isso – vai cair por conta do regime fiscal proposto é enganar a sociedade brasileira.

    E preservar uma política monetária criminosa.

Conclusão:

    Se as postulações de Meirelles são todas falsas, quais são, afinal, os objetivos ocultos contidos na PEC-55? Em síntese, trata-se de dar o passo final na construção do Estado Mínimo, conforme a pressão constante sobre a economia brasileira exercida pelos formuladores do Consenso de Washington. Para isso, é fundamental destruir o incipiente Estado de Bem-estar Social que construímos a fim de garantir espaço para a especulação financeira. Isso se constata pela proposição de congelamento valor real dos direitos sociais previstos na Constituição, com o silêncio absoluto em relação a medidas para gravar tributariamente o sistema financeiro.

    Embutido nessa PEC está igualmente o propósito de reverter o processo de industrialização brasileira de forma a nos tornar uma economia exclusivamente agro-exportadora, com o mínimo de mão de obra e salários relativamente mais baixos.

    Isso se daria com fraca contribuição ao mercado interno que, de outra parte, se considerará dispensável tendo em vista a forte concentração de terras (inclusive em mãos estrangeiras) e produção a ser exportada.

    A manipulação financeira, ao final, há de coroar, no modelo Meirelles, a desestruturação da indústria como conseqüência de uma política cambial assassina da produção.

   Diante da obsessão com o tema, convém considerar queo valor absoluto da dívida pública não é relevante para a avaliação da saúde financeira de um país.

   Relevante é a relação dívida/PIB, ou seja, a dívida como proporção do produto interno bruto.

   Mais importante que a própria relação dívida/PIB é a taxa de juros que remunera a dívida pública, normalmente fixada pelo Banco Central.

   Uma taxa de juros baixa aplicada a uma dívida pública elevada – por exemplo, a japonesa ou americana – não traz qualquer complicação ao gerenciamento de um país.

    Entretanto, uma taxa de juros alta aplicada a uma dívida mesmo baixa implica uma tremenda transferência de renda do setor público, ou dos pobres em geral, para os especuladores financeiros. Vejamos a situação brasileira e americana. Nos Estados Unidos, os títulos públicos são remunerados no máximo a 3%.

    No Brasil, a 12%. Com isso pagamos relativamente muito mais juros sobre dívida pública que os americanos, embora a dívida deles seja da ordem de 16 trilhões de dólares e a nossa de 4 trilhões de reais.H  jj