Página IncialArtigos e discursosPronunciamento no Senado, em 18_04_2011

Pronunciamento no Senado, em 18_04_2011

A reunião dos ministros de Finanças do G 20, em Washington, no final da semana, para discutir medidas que diminuam os riscos à economia global, como era de se prever, avançou muito pouco no pretendido esforço de se adotar “um novo sistema de vigilância contra o fluxo de capitais“, eufemismo para dizer contra o desatino, o desenfreio da especulação financeira.
Elogie-se, reconheça-se a participação altiva de nosso ministro da Fazenda, Guido Mantega, cada vez mais impaciente com a pasmaceira internacional diante da desenvoltura dos especuladores e a pouca eficiência das iniciativas tomadas por governos e organismos globais desde a explosão da crise, em 2008.
Em Washington, Mantega voltou a criticar a falta de limites para fluxo especulativo.
Vemos agora o FMI, com aquela lentidão que lhe é peculiar quando se trata de proteger as economias em desenvolvimento, anunciar, no sábado, dia 16, que “deve recomendar políticas nacionais para o controle do fluxo excessivo de capitais“.
Quando a crise financeira arrebentou, o Fundo também ensaiou discurso semelhante e ficou na retórica. Agora, diante dos sinais de recrudescimento, fala em excessos, adjetiva os riscos e não toca na essência do mal, que é a prevalência, a preponderância da especulação financeira sobre o todo da economia mundial.
Quem sabe pouco crente na reunião do G 20, ainda no domingo, dia 17, a China anunciou, pela quarta vez neste ano, o aumento dos depósitos compulsórios de seus bancos. Agora, a quantia proporcional da reserva exigida do sistema bancário chinês bate recorde, chegando a 20,5 por cento. É a saída chinesa para enxugar a liquidez e combater a inflação.
A resistência ao controle do fluxo de capitais vem principalmente de países ricos. E é poderosíssima. Com juro zero nos Estados Unidos, os especuladores buscam lucros inundando países como o Brasil com suas aplicações, pressionando a inflação, apreciando a nossa moeda, para usar um neologismo tão em moda.
Diante de pressão tão formidável, avassaladora e impiedosa, pois estamos falando aqui em trilhões de dólares voando pelas bolsas do mundo à busca de lucros fáceis e fartíssimos, sem nenhum compromisso com a produção, com o emprego, com a inovação tecnológica, com a vida do ser humano, diante desses Atilas revividos, como reagir? Com as medidas tíbias, medrosas do FMI, do Banco Mundial?
Em sua coluna na internet, neste domingo, 17, o jornalista Kennedy Alencar diz que chegou ao Palácio do Planalto o alerta de que o mercado financeiro está apostando contra as políticas monetárias e cambiais do ministro Mantega e do Banco Central.
Segundo o jornalista, o mercado acredita que ganhará mais dinheiro se colocar fichas na alta da inflação e na desvalorização do dólar acima do que o governo vem dizendo.
Que se dá aos especuladores que o Brasil se envolva, emaranhe-se em dificuldades? Que se dá a eles a volta da inflação, a quebra de nossa indústria, a exportação de empregos, o desemprego, a compressão dos salários, o atraso tecnológico?
Pouco se dá, porque o capital especulativo não tem pátria, não tem bandeira, não tem compromissos com o homem e sua aventura de vida, seus sonhos e realizações. O capital é tão nocivo à humanidade quanto às pestes e as guerras que colocaram em risco a existência do homem no planeta. O capitalismo financeiro é o obscurantismo, a idade média do desenvolvimento econômico.
Senhoras e senhores senadores.
Faço essas observações como intróito à intervenção do economista inglês Magnus Ryner, professor da Universidade Oxford Brookes, no seminário que promovemos no Paraná para debater a crise financeira internacional, e que pretendo repercutir aqui, hoje.
Coincidentemente, o jovem economista inglês iniciou a sua conferència falando de outro encontro do G 20, aquele que se deu em Washington logo depois do estouro da crise financeira mundial. Ele falou de um Bush Júnior absolutamente surpreso, pasmo, não entendendo o que estava acontecendo, o que já prenunciava o fracasso do encontro.
Acrescentaria: se hoje temos um presidente norte-americano menos abúlico, menos abugalhado, não é maior o seu poder –ou decisão – de intervir na crise e dobrar a espinha da especulação, embora isso parecesse ser a sua intenção, antes da posse e antes que nomeasse para os postos chaves da condução da economia dos Estados Unidos uma coleção de financistas diretamente relacionados com o desastre.
Segundo Magnus Ryner, quem esperava da Europa uma atuação mais forte na crise subestimou sua fraqueza estrutural. Embora a União Européia não seja mais apenas uma moeda, uma união aduaneira, e tenha peso coletivo em questões de finanças e comércio, ela revela ainda forte dependência dos Estados Unidos, seus negócios estão entrelaçados com os negócios norte-americanos.
Como essa dependência não é uniforme, variando de país a país, mais difícil uma ação de forma unida e coerente.
O regime do dólar, lembrava Ryner, dá aos Estados Unidos privilégios exorbitantes, como o de continuar prosseguindo por políticas macroeconômicas de expansão, sem nenhum ajuste interno.
Em contraste, a União Européia busca política monetária controlada e disciplina fiscal.
É chave entender que os Estados Unidos continuam a ter privilégios inenarráveis, que o dólar permanece sendo a moeda de reserva internacional. E que isso permite ao setor financeiro norte-americano domínio global advertia Magnus Ryner.
E tanto lá como cá, o mercado financeiro de curto prazo desestrutura a economia nacional, mina a possibilidade das empresas e dos Estados planejarem, perseguindo um crescimento a longo prazo.
Na busca da maximização dos lucros, cortam-se custos, cortam-se vagas, cortam-se direitos e a Europa vê soçobrar o ideal socialdemocrata do Estado do Bem-Estar Social, explicava Magnus Ryner.
A decepção com os partidos de tradição socialdemocrata, ideologicamente e historicamente compromissados com os interesses dos trabalhadores, leva a uma crise representação, cria um vácuo por onde ascende o populismo de direita, dizia Ryner.
Daí Berlusconi, por exemplo.
Nas questões de política internacional, também vimos uma Europa dependente dos Estados Unidos, participando da invasão do Iraque, do Afeganistão, das pressões sobre o Irã, das ações da chamada “guerra contra o terror”.
Isso dividiu ainda mais a Europa, argumentava o professor Ryner. A inexistência de base doméstica com mínimo de unidade dificultava uma estratégia coerente de contra-peso à influência dos Estados Unidos.
Qual a saída?
Magnus Ryner via a Europa diante de três possibilidades, descartando como desastrosa, e improvável, a continuidade da dependência 
à economia norte-americana, a satelitizaç&a
tilde;o aos interesses políticos e militares do império.
Uma possibilidade seria o cenário que ele denominava como “Fortaleza Europa” , ou seja, o encastelamento do continente, o retorno ao protecionismo, em combinação com o ascenso do populismo de direita, o que ameaçaria as próprias regras da União Européia.
A outra, que ele chamava de “transformismo”, implicaria na continuidade dos esforços pela unidade e parceria entre os países do continente. Ao mesmo tempo da ampliação de suas relações, atraindo o Brasil, a China, a Índia, para gerar um sistema de gerenciamento internacional em contraposição ao domínio dos Estados Unidos e de sua moeda.
Dentro dessa perspectiva, o professor de Oxford falava em câmbio flexível, na convivência de duas moedas para escapar do dólar norte-americano, reconhecendo, no entanto, a fraqueza do euro para liderar e gerar uma nova ordem financeira internacional.
Para Magnus Ryner, no entanto, a saída mais atraente, seria o caminho da social-democracia, com a proteção ao trabalho, a criação de empregos, a preservação dos direitos dos assalariados e aposentados, a prevalência da produção sobre a especulação, os investimentos em infra-estrutura, em inovação, educação, moradia.
O professor de Relações Internacionais de Oxford ponderava ainda que, no G 20, os países em desenvolvimento deveriam pressionar a União Européia, empurrando-a à volta a uma forma de social-democracia, desgrudando-se da dependência do capitalismo financeiro, do dólar, o que fortaleceria, dentro do continente, os partidos de esquerda, as opções humanistas.
Seria Magnus Ryner um sonhador?
Como estudioso de Gramsci, um otimista quanto as possibilidades, mas realista, com dose necessária de ceticismo, quanto os dados concretos da conjuntura.
Assim, vemos, por exemplo, a realidade européia de hoje, com as crises em Portugal, Irlanda, Grécia e ameaças à Espanha dar-lhe razão.
Afinal, tanto lá como cá, enquanto não sacudirmos o jugo do capitalismo financeiro, a crise não é nada mais que uma pedra cantada no jogo bruto, sem regras, da especulação.