Qual o projeto de país definido pelo arcabouço? *Gilberto Maringoni* outraspalavras.net/mercadovsd… Leia com atenção!

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Requião detona argumentos neoliberais que aprisionam o Brasil na recessão

Em um longo estudo, intitulado “Elementos de
Macroeconomia para Análise da Crise Brasileira” , o senador
Roberto Requião expõe e estraçalha, um por um, os argumentos
dos condutores da política econômica do atual governo e, de
resto, as orientações do FMI, do Banco Mundial e do Banco
Central Europeu.
Requião mostra que o abandono de uma visão keinesiana da
crise, hoje, no Brasil e no mundo, leva a humanidade a sacrifícios
absolutamente desnecessários, tudo em nome do deus dinheiro.
Leia o estudo do senador.

ELEMENTOS DE MACROECONOMIA PARA
ANÁLISE DA CRISE BRASILEIRA
Senador Roberto Requião

Houve um momento a partir dos anos 70 e 80 em
que os acadêmicos da corrente principal dos
economistas, assim como os políticos que eram
orientados por eles, passaram a considerar a
macroeconomia uma abordagem ultrapassada das
questões econômicas.
Não eram mais os grandes fluxos agregados da
atividade econômica humana o foco de interesse,
mas a ação ou omissão do indivíduo. A partir da
psicologia e da racionalidade do consumidor e do
investidor individual tudo poderia ser inferido em
termos macro, o que abriu as portas para a retomada
do individualismo do início do século XX na forma,
agora, de neoliberalismo.
Pretendeu-se sepultar a teoria macroeconômica
keynesiana. Esta insistia em permanecer no centro
das atenções porque a contabilidade pública em
praticamente todos os países civilizados baseia-se
nas categorias fundamentais de Keynes (1).
Mais importante que isso.
São as categorias fundamentais de Keynes os
instrumentos que governam os processos de
intervenção econômica quando se instaura uma
situação de recessão prolongada ou de depressão.
Não só isso.
É a economia keynesiana que pode reverter, no
curto prazo, o inexorável ciclo depressivo na
economia capitalista, reconhecido desde Marx (2).
Pode-se considerar que Marx, numa perspectiva
revolucionária, identificou com rigor científico a
natureza dos ciclos econômicos, prevendo com isso
a autodestruição do capitalismo, enquanto Keynes,
numa perspectiva socialista não radical, se propôs a
regularizar o ciclo mediante os recursos da
macroeconomia.
Isso se deu, nos anos 30 do século passado, seja
pela teoria keynesiana, seja sobretudo na prática do
presidente Franklin Roosevelt, com o New Deal –
replicado na Alemanha com o Novo Plano de
Hjalmar Schacht- e significou a salvação do
capitalismo americano e alemão.
Abriu-se, assim, um longo período de
prosperidade imediatamente antes e especialmente
no após a segunda guerra.
De fato, políticas keynesianas de estímulo do
crescimento econômico dominaram o ocidente ao
longo de todo quarto de século do pós-guerra,
conhecido como os anos de ouro do capitalismo.
O Brasil se beneficiou dessa onda especialmente
com as políticas progressistas de Getúlio Vargas e
sua notável equipe de assessores
desenvolvimentistas; políticas, registre-se, que
antecederam a Keynes, como a defesa do preço do
café.
Jogando com extrema sabedoria no xadrez
geopolítico mundial, ele arrancou dos Estados
Unidos, em troca da cessão da base aérea do Rio
Grande do Norte durante a guerra, apoio para
construção da Cia Siderúrgica Nacional. Criou
também a Eletrobrás e a Petrobrás e, para dar
suporte ao investimento em infraestrutura, o
BNDES.
Foram todas iniciativas vitais, estruturantes da
economia. Só mesmo um alienado da política real
como Fernando Henrique Cardoso poderia falar em
enterrar a Era Vargas, assim como também quer o
governo Temer, a não ser que isso signifique
também enterrar toda a economia.
Duas décadas de governos militares no Brasil
possibilitaram a continuidade de avanços na
infraestrutura, na indústria básica, na indústria bélica
e no conceito de desenvolvimento de empresas
tripartites – estatal, nacional privada e estrangeira
privada -, porém a partir sobretudo de financiamento
externo.
Em consequência, além de dois choques do
petróleo (3), o país teve que suportar o choque da
dívida externa no início dos anos 80. Quase a
totalidade do investimento da infraestrutura, de
ferrovias a hidrelétricas, inclusive Itaipu, havia sido
feito com financiamento norte-americano e europeu
a taxas de juros flutuantes.
Nessa situação financeira altamente vulnerável
o banco central norte-americano fez explodirem as
taxas de juros internacionais para níveis impagáveis,
criando um imenso joelho de juros a serem pagos
pelos devedores, inclusive o Brasil (4).
A crise não era só brasileira, mas de toda a
América Latina endividada. E todos fomos
colocados sob o tacão do FMI que passou a ditar a
política econômica do continente.
A crise só seria amainada mais de dez anos
depois de sua eclosão, no marco do chamado Plano
Brady, um esquema que possibilitou seu deságio
parcial sob estímulo do governo norte-americano e
com a concordância dos próprios bancos credores.
A drenagem de recursos para o exterior
continuou, porém sem acesso a dinheiro novo.
Bloqueado pelo lado externo, e incapaz de formular
uma política fiscal-monetária autônoma pelo lado
interno, o país não conseguiu, e certamente não
queria no governo Fernando Henrique viabilizar um
programa keynesiano que viesse a se contrapor às
regras draconianas do Fundo.
Ao contrário, FHC aderiu firmemente ao
neoliberalismo, com o efeito de uma performance
econômica medíocre. E tornamo-nos sócios da
recessão, e do baixo crescimento.
É verdade que a inflação foi parcialmente
domada a partir de 1994.
Mas, volta ameaçadora no fim da década, depois
que foi abandonada a política de âncora cambial
adotada para controlá-la na primeira fase do governo
fernandista.
Paralelamente o tucano empreendeu um
programa de privatizações altamente controverso
que consistiu em vender empresas como Telebrás,
Embratel e a mais simbólica delas, a Vale do Rio
Doce.
De forma similar ao Governo Collor, o país
desfazia-se de patrimônio público sem contrapartida
de construção de ativos novos. Era um negócio para
bancos e financistas, e não para empresários.
Depois que o país pagou sua dívida junto ao FMI
no Governo Lula, não havia mais motivo para
resistirmos a adotar uma política de matriz
keynesiana de desenvolvimento.
A resistência anterior resultava primordialmente
da pressão por parte da banca e dos interesses
financeiros externos e internos, racionalizada pelo
Consenso de Washington e, mais amplamente, pela
doutrina neoliberal.
O Governo Lula escapou parcialmente dessas
restrições, no primeiro mandato, tendo em vista uma
performance espetacular do lado externo em
consequência da explosão de quantidades e preços
de commodities minerais e agrícolas vendidas para a
China.
É preciso reconhecer, contudo, que nem todo o
espaço aberto para a retomada de uma taxa alta de
crescimento econômico foi preenchido logo no
início do Governo Lula. As restrições neoliberais
foram mantidas na forma de decisões de política
fiscal e monetária de Antônio Palocci, como
ministro da Fazenda, e de Henrique Meirelles, na
presidência do Banco Central.
Critiquei pessoalmente essas políticas em seu
próprio tempo.
De qualquer modo, sabiamente, o presidente
Lula, cujo foco bem-sucedido e mundialmente
aplaudido era a campanha contra a fome, vetou a
adesão ao acordo da ALCA, a despeito de fortes
pressões americanas e do seu próprio Ministro da
Fazenda.
Recorri a esse breve histórico sobre a economia
política brasileira para tentar responder a uma única
questão que está explícita no título da palestra que
me foi proposta: o que deve se entender por
neoliberalismo e o que se entende por uma política
keynesiana progressista, nos marcos da
macroeconomia (5).
Afinal, se tivemos, ao longo do pós-guerra, os
chamados 25 anos de ouro do capitalismo,
sintetizado num longo consenso entre economistas e
políticos em torno de políticas econômicas de grande
sucesso, o que aconteceu para que esse consenso
fosse rompido, transformando-se em dissenso
responsável pela longa estagnação ou recessão dos
anos 80 para cá?
Vou focar numa situação concreta: a crise
internacional de 2008 no ocidente e suas
consequências ideológicas e práticas. Com a quebra
do banco de investimento Lehman Brothers, nos
Estados Unidos, a crise eclodiu como um rastilho de
pólvora nos mercados financeiros americanos e
europeus.
Diante do colapso sem precedentes das
economias ocidentais, fomentado pela globalização
financeira, foi convocada uma reunião do G-20 em
Washington para discutir nada menos do que a
salvação do sistema capitalista. Recomendação
comum foi acertada: todos deveriam recorrer a
políticas de expansão fiscal e monetária como forma
de reforçar a demanda global e a atividade
econômica.
Isso é macroeconomia keynesiana pura!
O então presidente francês, Sarkozy, um
neoliberal, saiu do encontro proclamando que todos
agora eram keynesianos.
No início de 2009 realizou-se outra reunião do
G-20, com o mesmo objetivo, dessa vez em Londres.
O mesmo consenso se reproduziu: recomendação de
fortes políticas fiscais e monetárias expansionistas
para sustentar a retomada de economias ainda
frágeis.
Entretanto, em 2010, a reunião se realizaria em
Toronto no Canadá. De forma surpreendente, os
dirigentes da França e da Inglaterra se submeteram
aos neoliberais ortodoxos da Alemanha.
E ditaram para toda a Europa, em especial para os
países do euro, uma política fiscal-monetária de
cunho surpreendentemente restritivo, dado que a
recuperação parecia longe de estar firme.
Os Estados Unidos, menos ideológicos, ficaram
firmes em seu compromisso expansionista:
mantiveram déficits fiscais anuais de mais de um
trilhão de dólares até 2013.
Com isso forçaram a redução do desemprego no
mercado de trabalho, que começou a cair no país.
O Brasil acompanhou o consenso expansionista
inicial. O Tesouro liberou 200 bilhões de reais para
o BNDES, em dois anos, como forte estímulo à
tomada de investimentos pelo setor privado.
Foram reduzidos impostos e aumentado o salário
mínimo, tudo no sentido de favorecer o aumento da
demanda agregada. Foi uma política keynesiana sem
ser dita.
E o resultado foi simplesmente espetacular: em
2010 a economia cresceu nada menos que 7,5%, isso
em plena recessão internacional, a qual seguia seu
curso principalmente na Europa.
Mas, em seguida, por pressão da banca, o país
abandonou a política expansionista, e o PIB
começou a cair.
O programa neoliberal alemão imposto ao resto
da Europa pela troika – FMI, Banco Central Europeu
e Comissão Europeia – tem em vista principalmente
proteger a saúde financeira dos seus bancos e não a
retomada do crescimento.
E ela ignora ainda fatores como desemprego e
desenvolvimento.
Essa política é acompanhada pela França, com
preocupação similar, e, com menos fervor, pela
Inglaterra.
As razões são compreensíveis: no caso da
França, porque seus bancos são também grandes
credores da área do euro.
Já a Inglaterra, fora da área do euro, tem maior
liberdade de escolha de suas políticas econômicas
tanto pelo lado monetário quanto fiscal.
Para ser eleito François Hollande prometeu
enfrentar a crise econômica francesa mediante a
retomada dos investimentos públicos. No Governo,
ele foi um fracasso, pois submeteu-se à política
alemã.
Hollande não teve condições ou coragem de
acompanhar a política norte-americana de financiar
o investimento deficitariamente.
É importante assinalar, no caso alemão, as razões
de seu espetacular sucesso na saída da crise e na
continuidade de seu desempenho a despeito de
políticas fiscal e monetárias restritivas.
Num certo sentido, a Alemanha vampiriza a
Europa desde a criação do euro. Tendo sido o marco,
sua moeda nacional, a mais forte do continente até o
acordo da moeda única, ao fundir-se com as demais
moedas da região ganhou o prêmio de uma
desvalorização monetária efetiva.
É que, em comparação com as moedas antigas, o
euro veio a situar-se no ponto médio.
Com isso, o país ganhou imensas vantagens
competitivas comerciais no mercado internacional e
nacional, de sorte que mais de 40% das exportações
alemãs se destinam para a área do euro, e em
proporção ainda maior quando se considera o resto
da Europa.
Há uma lenda que atribui o sucesso alemão à
qualificação da mão de obra, à alta tecnologia e à
disciplina do trabalhador.
Pode ser verdade, em parte, mas a razão
fundamental no contexto da atual crise mundial é o
mencionado fator de desvalorização monetária.
Gerando imenso superávit comercial, segundo ou
terceiro do mundo, esse processo tem consequências
macroeconômicas expansivas de forma alguma
irrelevantes. Trata-se do efeito monetário interno do
superávit comercial.
Ao ser internalizado o superávit torna-se uma
força expansiva de caráter monetário. Esse é um
fator crucial no desenvolvimento dos países. Só tem
um problema: por uma fatalidade aritmética, nem
todos os países podem fazer superávit comercial ao
mesmo tempo.
Em termos ideológicos, a crise de 2008, que
ainda se arrasta em muitos países, inclusive o Brasil,
curiosamente reforçou a doutrina neoliberal e fez
mergulhar a maior parte da Europa continental em
estagnação, justamente num momento em que mais
se precisava de Keynes.
Países como Grécia, Espanha e Itália se deixaram
estrangular pelas doutrinas neoliberais a despeito,
em alguns casos, do posicionamento oposto de seu
eleitorado. Isso mostra como é impressionante a
força das ideias quando vem ancorada em interesses
pesados, sobretudo do capital financeiro
especulativo.
De fato, a essência do Consenso de Washington,
direcionado inicialmente para países em
desenvolvimento, passou a aplicar-se também aos
desenvolvidos afetados pela crise financeira.
Portugal foi o único país da área do euro que rompeu
abertamente com o Consenso arbitrado pela troika:
está se recuperando!
A avalanche neoliberal chegou ao Brasil num
momento em que tínhamos todas as condições para a
retomada do desenvolvimento a altas taxas por
nossos próprios meios.
Temos uma altíssima posição em reservas
internacionais do tipo que se construiu nos países
asiáticos depois da crise financeira de 1997, que os
atingiu frontalmente.
Essas reservas nos garantiriam, caso o
quiséssemos, financiar a parte dos investimentos em
tecnologia e equipamentos que fossem necessários
para uma arrancada de crescimento, dessa vez sem
dependência da banca internacional.
Desgraçadamente, nossas reservas tornaram-se
inúteis do ponto de vista do desenvolvimento. Estão
na vitrina. Ninguém usa.
Temos superávit comercial em commodities
agrícolas e minerais. Num certo sentido é bom que
seja assim pois o atual Governo pode desbaratá-las
sem maiores propósitos desenvolvimentistas.
Perdemos no governo Collor uma das âncoras do
desenvolvimento, a siderurgia estatal; agora estamos
vendendo a âncora da energia.
É o desenvolvimento sendo feito às avessas! (6)
Aquilo a que se deu o nome de “Ponte paras o
Futuro” é o compromisso mais radical com o
retrocesso econômico jamais feito no país.
Em essência, trata-se de reduzir ao máximo o
espaço público na economia e na sociedade para
expandir o espaço de exploração privada.
A esse objetivo se sujeitam todos os principais
objetivos do Governo Temer, notadamente o da
destruição da Consolidação das Leis do Trabalho,
liquidando direitos civilizatórios que recuam a mais
de 60 anos.
Empresas estratégicas da área de energia estão
sendo listadas para venda – a Petrobrás, já
privatizada de forma fatiada, e a Eletrobrás, que se
pretende alienar em bloco.
O Governo autorizou a venda de terras de forma
ilimitada, vendeu blocos do pré-sal a preço vil,
perdoou por antecipação um trilhão de dólares em
impostos das petrolíferas, abriu mão da soberania
sobre Alcântara e chegou à audácia de afrouxar as
restrições paras o trabalho escravo.
Entretanto, esses assaltos patrimoniais em favor
da banca privada poderão ser reversíveis na
perspectiva de um governo nacionalista, através da
convocação de um referendo revogatório.
O que se revela assustador, porém, para o curto
prazo, é a política macroeconômica em curso.
O Governo fez aprovar por um Congresso
alienado ou mesmo desonesto meios de política
econômica que, se não forem revertidos, cristalizam
na estrutura do poder governamental instrumentos
perenes de contração fiscal, incompatíveis com
qualquer política de retomada do crescimento.
O caso paradigmático é a emenda constitucional
95.
Essa excrescência pretende congelar por 20 anos
o orçamento primário. Trata-se do recurso mais
extremo a que chega o neoliberalismo.
É importante notar que esse artifício legal
possibilita o engessamento financeiro de todo o setor
público para investimentos. Incluindo estados e
municípios, tendo em vista o papel de centralização
de recursos orçamentários pelo Governo federal na
Federação.
Como consequência, estamos diante da
eliminação efetiva da macroeconomia como
instrumento de desenvolvimento econômico. É o
domínio absoluto do neoliberalismo, numa escala
jamais vista em qualquer país do mundo.
E só está sendo possível no Brasil por causa do
golpe de Estado contra Dilma Rousseff.
Em qualquer outra hipótese, o Governo pensaria
duas vezes antes de editar medidas tão contrárias ao
interesse público.
O mais extravagante nessa política é que ela se
dá num momento de extrema contração da economia
brasileira.
A exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos
e na Alemanha do início dos anos 30 do século
passado, a radicalização de políticas ortodoxas, de
direita, ou simplesmente liberais, foi implementada
com total descaso em relação a suas consequências
econômicas e sociais.
As taxas de desemprego, nesses dois países,
chegaram a um quarto da população ativa.
Nos Estados Unidos generalizaram-se as
chamadas “Hoover Villes”, favelas feitas de papelão
em torno das grandes metrópoles, espalhando-se por
várias partes do país, já o primeiro do mundo, as
filas de sopas para desempregados famintos.
Na Alemanha, o recém-indicado chanceler
Brunning enfrentou a crise de um modo não muito
diferente de Meirelles.
Brunning cortou pela metade o orçamento
primário em 1930, e, novamente pela metade, o de
1931, despedindo grandes massas de funcionários
públicos. Quando entrou, havia 12 deputados
nazistas no Parlamento; no ano seguinte, 107; no
outro ano, mais de 200, dando a maioria relativa que
viabilizou o poder de Hitler. Este era um demagogo
facínora, mas politicamente sábio.
Hitler entregou a economia ao mago Hjalmar
Schacht, que montou um esquema que se pode dizer
keynesiano antes de Keynes, mobilizando grandes
investimentos deficitários, tirando a Alemanha do
chão e lançando-a como grande potência econômica
e militar, ao ponto de desafiar o mundo.
Roosevelt, sem necessariamente ter lido carta que
Keynes enviou para ele, sugerindo uma política
antirrecessão, também partiu para uma vigorosa
política de relançamento da economia em 1933 a fim
de enfrentar sobretudo o alto desemprego. Seguiu o
conselho intuitivo de Henry Ford: chamado a
receber uma homenagem na Casa Branca, Ford a
recusou.
Surpreso o presidente quis saber por quê. Ford
explicou que na base de corte de salários e de
investimentos a economia continuaria capotando.
O presidente então lhe pediu um conselho, e Ford
completou: Reduza a jornada de trabalho e aumente
o salário mínimo que as pessoas poderão voltar a
comprar, estimulando os investimentos. Foi o que
aconteceu.
Que grande pesar não termos um Ford! Os
nossos empresários, ao contrário, querem escravizar
o trabalhador, tirar-lhe o sangue, torná-lo indigente.
Vi muitos deles e seus assessores nos corredores do
Congresso para cabalar votos para a chamada
reforma trabalhista do Temer. Tiveram sucesso
porque convenceram pela demagogia abstrata.
Voltarão lá, certamente, em algum momento,
para promover a reforma previdenciária, embora
neste caso é provável que enfrentem maiores
resistências: ainda somos uma democracia formal,
pelo que congressistas precisam dos votos dos
beneficiários concretos da Previdência para se
reelegerem.
Temer pode comprar muitos, mas não todos.
Não estamos diante de erros de política
econômica. Pensar que Temer e seus acólitos do
Planalto estão errados na condução do país é um
grande equívoco. Eles sabem muito bem o que
querem.
Grande parte das reformas neoliberais no mundo
ficou empacada a meio caminho devido a oposição
dos cidadãos.
O Brasil é o primeiro grande país no mundo em
que as estruturas neoliberais podem ser implantadas
sem resistência institucional efetiva, já que o
Congresso comprado para o impeachment se tornou
o Congresso automaticamente comprado também
para as reformas – a despeito da possível exceção da
Previdência.
A importância do experimento neoliberal
brasileiro é funcional do capitalismo. Todos os
analistas independentes têm identificado uma queda
tendencial da taxa de lucro produtivo nas economias
avançadas. Em parte, isso se deve à parcela
gigantesca da mais-valia apropriada pelo capital
financeiro.
Outra parte são os impostos aplicados no
financiamento das sociedades de bem-estar social.
Em consequência, países como o Brasil onde as
políticas sociais são ainda frágeis, e as instituições
em defesa do trabalho e da Previdência são
vulneráveis, tornam-se alvos preferenciais dos
ataques neoliberais.
Ingênuos os que pensam que o Governo Temer,
ou qualquer neoliberal que o suceder, tem uma
política de desenvolvimento. Não falo em projeto
nacional, em defesa de soberania. Falo simplesmente
em crescimento econômico. Esse termo só é
mencionado por este Governo quando saem as
estatísticas do IBGE sobre a evolução do PIB.
Então, o Governo manipula os dados. Se for um
índice negativo, projeta automaticamente uma
melhora para frente. Se for um ponto positivo, como
agora, é interpretado como retomada. Esquece-se de
dizer, nesse caso, que a economia se contraiu em 7,6
pontos em 2015 e 2016, e o pífio crescimento de
2017 não significa nada, pois está longe de recolocar
a economia nível de 2014.
De fato, a economia já encolheu 0.56 por cento,
em janeiro último.
O Governo não pode falar em retomada do
crescimento porque isso contraria os seus objetivos
de fazer uma política de terra arrasada, facilitando
privatizações e as políticas impopulares.
É capaz de fazer um déficit público de 159 bilhões
de reais, como no ano passado, exclusivamente para
doar esse dinheiro à banca. Sem destinar
absolutamente nada ao gasto público produtivo ou
de bem-estar social.
Na política macroeconômica de Keynes, em
situação de grande contração da economia, o
investimento deficitário do Governo é o principal
instrumento de retomada. Na economia de Meirelles,
o déficit serve exclusivamente à banca, que apenas
acumula dinheiro, sem investir.
O que pretendem os neoliberais? Se abrimos os
códigos, podemos concluir que seu objetivo é
esmagar completamente as classes não proprietárias
e escravizá-las num ambiente mundial sem
solidariedade, desigual, de renda concentrada, sem
amor ao próximo.
Um ambiente dominado por Mamon, o dinheiro,
como condena o Papa Francisco.
Um ambiente em que os mais fracos podem ser
dominados facilmente pelas polícias e pelos
exércitos tendo em vista a alta tecnologia de matar
disponível para essas forças, sem contrapartida no
plano popular.
É um ambiente de estímulo à luta revolucionária,
como a do início do século XX, sem grande
preocupação por suas consequências. Porque os
ricos pagam quem luta por eles.
A alternativa óbvia é a política keynesiana.
Investimento deficitário do governo (7), aumento
dos salários, redução da jornada de trabalho, gastos
públicos nas áreas de infraestrutura e de bem-estar
social. Não há segredo nisso.
Alguns críticos ideológicos dizem que as
políticas de expansão de demanda no início dos anos
30 foram pouco eficazes. É falso. No caso da
Alemanha, com o título MEFO criado por Scharcht,
o resultado positivo foi indiscutível, embora para
desgraça mundial.
Nos Estados Unidos, basta observar o
desempenho da economia para tirar uma conclusão.
De uma contração de 12,9% em 1932, a economia
passou, no ano do New Deal, 1933, a menos 1,3%;
depois, a um aumento de 10,8% em 1934; depois, a
8,9% e 12,9% em 1935 e 1936.
Não vou dar outros números para não cansar
ninguém com estatísticas, mas foram positivos até a
guerra, e sobretudo durante e depois dela.
Agora, compare isso ao falso crescimento do ano
passado do Governo Temer: estamos na rabeira do
mundo, sem perspectiva a não ser vencer as eleições
deste ano!
A banca e seus fâmulos, grandes beneficiários
dos déficits públicos não produtivos, sustentam que
o investimento deficitário gera inflação. É
absolutamente falso. E a prova disso é o
comportamento da economia brasileira no ano
passado.
A despeito de um déficit gigantesco para o
montante da economia, tivemos deflação ao longo
de todo o ano passado.
O argumento deles vai além: se o déficit for
resultado de gastos reais, isto é, em bem-estar
coletivo e em infraestrutura, aí, sim, provoca
inflação.
De novo, é falso.
Inflação só raramente é um fenômeno monetário.
Inflação corresponde a uma alta média de preços
quando há uma pressão forte da demanda. Ora,
estamos numa recessão prolongada. Com o alto
desemprego e a queda da renda generalizada, a
inflação tende inexoravelmente a cair. E cairia mais
se não mantivéssemos, sem justificativa, uma
economia em parte ainda indexada.
Há um aspecto final a considerar. Como os
neoliberais e seus fâmulos na imprensa “vendem” à
população as perspectivas futuras da economia?
Sim, porque a realidade vai se impor cedo ou
tarde, e terão que dar alguma explicação para o
fracasso óbvio no terreno principalmente do
emprego que não diz respeito apenas ao emprego
formal, mas também ao informal.
Para isso, existe uma saída cínica, e de uso
generalizado não só pelo Governo, mas também pela
grande mídia: foi criado um ente de razão chamado
“confiança” que explica tudo. Se a economia vai
mal, é porque o empresariado não tem confiança nas
reformas estruturais, sendo que, no momento, a
reforma estrutural-chave é a reforma da Previdência.
Com isso, o fracasso passa a ser do “outro”, o
produtor de confiança, não do Governo.
Claro que é um embuste, a essência do cinismo.
Não conheço um único empresário que deixaria
de investir por causa da reforma previdenciária, a
não serem os abutres que querem simplesmente
privatizar o sistema previdenciário.
A propósito, o Brasil estava em situação de
virtual pleno-emprego em 2014, antes do golpe.
E em 2014 estava em vigor toda a formalidade do
trabalho e da Previdência que veio posteriormente a
ser atacada em nome do restabelecimento da
confiança.
Para encerrar com um conceito keynesiano,
convém considerar que nenhum empresário investe
sem perspectiva de que vai vender seus produtos.
Para isso, tem que ter demanda. Para isso, numa
recessão, o único ente capaz de investir antes de ter
demanda é o setor público. O resto é pura
mistificação.
Notas:
(1) De acordo com as categorias keynesianas,
adotadas pela ONU, o PIB(Produto Interno Bruto) é
igual a C(Consumo) + I (Investimento) + G (Gasto
Governamental) + X (Exportação) – M
(Importação).
É o conceito do produto sob a ótica do gasto.
(2) Ciclos é o processo recorrente de expansão e
retração característico do capitalismo.
(3) Triplicação dos preços do petróleo em 1973 pela
OPEP e alta expressiva também em 1979
(4) A taxa de juros de empréstimos internacionais
beirou 30% no início dos anos 80 do século passado.

(5) O neoliberalismo se caracteriza por políticas
monetárias e fiscais restritivas com foco principal na
proteção ao lucro do sistema bancário, privatização
de patrimônios públicos, restrição ao estado de bem-
estar social e liberação cambial. Em termos
brasileiros, seria o tripé macroeconômico tão
valorizado por alguns políticos mal informados
sobre desenvolvimento.
Uma política progressista consiste principalmente na
ampliação do investimento público, mesmo
deficitário, nas recessões, e estabilização
orçamentária na expansão.
(6) O Acordo do Carvão e do Aço foi a base do
desenvolvimento europeu a partir dos anos 50 do
século passado.
(7) O déficit público é virtuoso quando resulta de
investimento público em infraestrutura e bem-estar
social em períodos de recessão, induzindo a
retomada do PIB e da receita tributária. Na verdade,
se o déficit fosse sempre mau não deveria existir
dívida pública em países “responsáveis” como
Estados Unidos, Japão, Itália e Alemanha, com
dívidas superiores a 80%.
E, no caso japonês, de mais de 200% do PIB.