Página IncialArtigos e discursosDois anos de desgoverno – o que fazer agora?

Dois anos de desgoverno – o que fazer agora?

A direita é uma só, em essência, posicionem-se seus atores no centro, no meio ou no extremo do palco haverão de ser, sempre, inimigos das classes populares e de um país soberano, desenvolvido e justo.

Talvez não haja mais a acrescentar, depois da belíssima sequência de artigos sobre o tema publicada no site A Terra é Redonda. O governo do dito cujo foi dissecado à última vírgula. Pouco resta, para os que chegam agora à carcaça tão competentemente descarnada.

Então, ao estilo do indigitado, perguntaria: e daí? Enfim, o famosíssimo, atualíssimo, imprescritível o que fazer? É disso que senti falta. De uma animada e incandescente discussão sobre como pegar o touro à unha, botar a mão na massa, agitar, mobilizar, organizar, educar. Dar ritmo e celeridade à Revolução Brasileira.

Diriam: mas não somos um partido, isso é tarefa de um partido. Perguntaria: há partidos? Há partidos verdadeiramente integrados à realidade de vida da nossa gente, entranhados lá nos bairros populares, ativos nas fábricas, nas lojas, nos bancos, nos escritórios, nas escolas, nas igrejas? Há partidos que se ocupem de outras tarefas que não as eleitorais? Há partidos que não sejam essencialmente máquinas eleitorais? Há partidos que se dediquem à mobilização, organização e educação das massas populares?

(Talvez ressalvasse aqui o PCB, o Partidão, que desde a sua dramática reorganização nos anos 90 deixou o eleitoralismo (e o reformismo) de lado, retornando às suas origens classistas e revolucionárias. Se o PT primigênio herdou algumas dessas características, isso é passado.)

É possível que se reúna hoje no país uma das mais brilhantes gerações de analistas, teóricos, cientistas sociais, filósofos, jornalistas das últimas décadas, mentes desafiadas e aguçadas pelas desgraças que despencaram sobre o país nesses últimos anos. Estão aí, para demonstrar isso, textos do aterraeredonda.com.br e dessa profusão de sítios, blogues, jornais e revistas eletrônicas e coisa e tal. Alvíssaras. Mas, cadê as massas?

Não, por favor, não! Não pretendo discutir aqui o papel dos intelectuais e aquela xaropada toda. Só queria saber que raios de espaço reservamos às massas populares, aos trabalhadores brasileiros em nossos esplêndidos diagnósticos. Quando vamos trazê-los à cena, ao protagonismo para que nossa avidez pelo impeachment do assinalado e pelo aniquilamento do fascismo e suas coortes de imbecis não continue sendo mais um movimento nefelibático?

(Quantas vezes, nessas últimas semanas, lemos, ouvimos dizer, cochicharam das coxias que agora vai? Que o impedimento do designado são as tais das favas contadas? Certamente mais vezes de que o São Paulo FC seria campeão.)

Sim, é claro, não somos um partido ou dirigentes de um partido. Sim, é claro, não somos líderes de massas. Mas somos mulheres e homens que pensam. Então, não dá para a gente dar uma pensadinha sobre o assunto?

Já fiz essa proposta. Sugeri que, no contexto da formação de uma Frente Nacional, Democrática e Popular, além da adoção de um programa mínimo que nos unisse, que a Frente também contribuísse para e se ocupasse da mobilização, organização e educação das massas populares, em colaboração com os partidos e demais integrantes do bloco.

A Frente não é um partido, não os substitui e nem se expressa através de um único partido. Mas, sendo ela a convergência política organizada de partidos, de entidades representativas de classes sociais, de categorias profissionais, de sindicatos e assim por diante, deveria estabelecer uma agenda comum de debates, conferências, seminários, cursos. Enfim, a sempre alardeada e nunca consumada elevação do nível político e cultural das massas populares. E ações de organização, que uma coisa sem a outra é nada.

A Frente que proponho não é uma frente de oposições e muito menos uma frente eleitoral ou essa contrafação com que alguns sugerem e sonham, reunindo os golpistas de 2015/16, os canalhas da escolha muito difícil, o arrivista da ressignificação da política, os que votaram em branco ou anularam o voto em 2018, os ex-validos do bolsonarismo, os que repudiam o celerado, mas defendem as abomináveis reformas.

É claro, uma assembleia de oportunistas, carreiristas e adventícios assim não haverá de ter compromisso com a educação e a organização popular, com a Revolução Brasileira, por fim. O máximo que conseguem alcançar é a eleição de 2022 e topa tudo, e mais um pouco, para vencê-las.

(Certamente haverá quem levante a mão, peça um aparte e me acuse de radical, de sectário, dogmático – ou do que seja nessa linha – por excluir tanta gente boa de um possível bloco de todos contra o famigerado. Mas, o que os sensíveis senhores querem mais radical que a reforma trabalhista, que nos fez regredir ao século XIX? Que a crueldade da reforma previdenciária? Que a imposição de limites severíssimos para os gastos em saúde, educação, saneamento, segurança? Que a cessão do pré-sal? Que a emersão do submundo ao primeiro plano da vida nacional? Que a criminalização do pensamento? Que a guerra contra a cultura e a civilização? Que esse morticínio que já levou mais de 220 mil vidas brasileiras, provocado por negligência, negacionismo, incompetência, estupidez e crueldade? Quem contribuiu para isso, de forma consciente, de caso pensado e pesado, sem qualquer coação, merece afagos e saudações de boas-vindas nesse lado de cá?

Quer dizer que eles não ouviram os discursos de cervejaria do nominado, suas contas de quantos assassinar, as homenagens ao torturador, o ódio aos valores básicos da civilização, sua absoluta, assustadora, aterrorizante falta de empatia? Foi uma surpresa – como o cabo austríaco surpreendeu os alemães e o mundo – quando o referido abriu a boca no dia 1º de janeiro de 2018? Radical eu, hein!?).

Fechado o parênteses, voltemos ao texto. Frequentemente, tenho deblaterado a obsessão nacional pelo curto prazo. Os voos de galinha na economia, na política e nas ideias. Macroeconomia de curto prazo, política de curto prazo, ideias degradáveis. Uma frente eleitoral sem um programa mínimo que, entre outras coisas, se comprometa com a revogação de todas as medidas antinacionais e antipovo tomadas desde 2016, é mais um movimento com essa característica de fast-food. Não leva nada. Pode até ganhar uma eleição. Mas não muda o país.

É isso o que queremos?

(Essa história de aprender com os erros não é coisa que se exija ou se proponha aos machões de nossa política. Primeiro, porque nunca erram; depois, porque autocrítica é coisa para os fracos. Outra coisa: eu acho uma graça quando buscam distanciar certa direita, dita palatável e liberal, da direita apontada como radical ou extrema. Qual a diferença, nessa pátria nada gentil, entre uma e outra? Tivemos, em algum momento de nossa história, alguma coisa que pudéssemos chamar de liberalismo, aos moldes europeus, por exemplo? Lá atrás, nos primórdios do país, os nossos liberais eram escravocratas, racistas e eugenistas. Hoje, continuam escravocratas, racistas e eugenistas, pois o que são as reformas trabalhista, da Previdência, o teto de gastos -e o que mais vem por aí nessa linha- que a reintrodução da canga sobre o nosso povo? Quem matou Getúlio, quis impedir a posse de JK e de Jango, sabotou as Reformas de Base? Os nossos liberais. Quem formou a orquestra do golpe de 64? Os nossos liberais. Quem deu os argumentos sórdidos, infames para o golpe de 2015/16? Os nossos liberais. Quem favoreceu – por omissão, palavra e obra – o voto no aludido em 2018? Os nossos liberais. A direita é uma só, em essência, posicionem-se seus atores no centro, no meio ou no extremo do palco haverão de ser, sempre, inimigos das classes populares e de um país soberano, desenvolvido e justo.)

Mas, não chegaria ao ponto de dizer que nunca, em qualquer hipótese seriam possíveis entendimentos táticos com os liberais. Contudo, nada mais que isto: circunstâncias, eventualidades. No caminho das transformações viscerais da realidade nacional, nas tortuosas e ásperas trilhas da Revolução Brasileira serão o que são: inimigos do povo e da Nação.

Para concluir, voltando ao começo: não vamos dobrar a próxima esquina, no caminho pelas transformações do país, sem a mobilização, educação e organização das classes populares. Vamos conversar sobre isso?

Roberto Requião