Qual o projeto de país definido pelo arcabouço? *Gilberto Maringoni* outraspalavras.net/mercadovsd… Leia com atenção!

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Página Incial

Vigília V: Reforma da Previdência e risco da ditadura institucional

Requião e José Carlos de Assis

Por que um grupo de cidadãos brasileiros tem se esforçado por informar a sociedade, e sobretudo aos pobres, sobre o conteúdo absolutamente perverso da reforma da Previdência pretendida pelo governo Bolsonaro? Seria por razões político-eleitorais? Seria por interesse financeiro pessoal? Nada disso. A razão é simples. Essa pretensa reforma esconde por baixo da aparência técnica mecanismos de destruição da Previdência pública, liquidando direitos sociais dos mais pobres e consolidando privilégios dos mais ricos. Para quem é honesto, trata-se de reagir à pior forma de corrupção, a corrupção introduzida por lei.

É um dever de consciência nosso – seja dos  que cumprem o mandato cristão da caridade, seja dos que seguem os princípios civis de busca de igualdade e de fraternidade consagrados como base da democracia moderna – informar amplamente ao país que esta reforma, se passar, não se esgota nela mesma. Sendo uma  violência contra direitos constitucionais, sobretudo dos mais pobres, abre caminho para a liquidação do que existe de estado de bem-estar social no Brasil e, numa extensão ainda maior,  dos direitos civis, pois haverá, em tese, maioria parlamentar para isso.

Embora a tentativa  de liquidação do sistema previdenciário atual seja uma infâmia em si mesma, suficiente para que se levante o clamor da opinião  pública contra ela, o fato ainda mais grave é que, se a reforma passar, o Parlamento, como observado acima, estará respaldando legalmente uma decisão contrária aos interesses reais da imensa maioria do povo e dando uma espécie de salvo conduto a novas reformas constitucionais contra o que restará do projeto de estado de bem estar social que construímos ao longo de 80 anos.

Paulo Guedes, o mentor da reforma, não esconde seu objetivo de destruição do projeto de estado social brasileiro, consagrado na Constituição. Ele considera isso essencial para que se promova  uma economia eficiente e liberal. As primeiras medidas nesse sentido aconteceram com Temer, na infame reforma trabalhista. Agora é o momento de transformar a Previdência num negócio de ricos, chamado de capitalização. Uma capitalização cujo capital é o sangue e o suor do trabalhador ou do autônomo, sem qualquer garantia quanto aos benefícios futuros.

Reforma desse tipo só se faz na ditadura, como no Chile de Pinochet. E é justamente nesse ponto que a decisão do Congresso tem significado que vai além da  Previdência. Estamos numa situação política  em que o Executivo está claramente contra os interesses do povo. O Judiciário tem estado numa posição ambígua na cúpula, e claramente também contra o povo na primeira  instância. Se o Legislativo for para o mesmo caminho, apoiando por maioria qualificada a reforma, estaremos numa espécie de ditadura institucionalizada que dispensa a participação militar.

Como evitar essa tragédia? O único caminho é derrotar o projeto de reforma previdenciária de Guedes. E não adianta achar que isso seja possível apenas com os votos de parlamentares de esquerda. Parlamentares do centro, e mesmo parlamentares eleitos na onda bolsonarista, de alguma forma podem ser sensibilizados pela realidade social brasileira à margem das duas mentiras centrais de Guedes: que a reforma vai ajudar a relançar a economia e o emprego, e que a reforma acaba com privilégios. Aliás, nesse último ponto, basta perguntar a Guedes: “quais são esses privilegiados? Os beneficiários  da renda mensal vitalícia que passariam a ganhar 400 reais em lugar de um salário mínimo”?

Os parlamentares ainda indecisos precisam ser informados, de forma honesta e num plano  suprapartidário, que o regime de capitalização proposto por Guedes é um engodo. Uma vez adotado, ele expulsaria do sistema previdenciário o regime de partição que caracteriza a Previdência pública. É que, na capitalização, os empresários não contribuiriam para a aposentadoria do empregado. Obviamente, empurrariam os trabalhadores para a capitalização, na qual só o trabalhador contribui. E certamente demitirão, ou não empregarão, os trabalhadores que insistirem em ficar no regime previdenciário público.

Eu ouvi com  meus ouvidos a afirmativa de Guedes segundo a qual o novo regime seria melhor porque daria ao trabalhador a liberdade de escolher entre os dois regimes e de aprender sobre aplicação financeira. Tive vontade de vomitar. Com quase 14 milhões de desempregados e 27 milhões de subempregados na fila de espera de um emprego, qual trabalhador iria contrariar a “liberdade” do patrão de obrigá-lo a entrar no regime de capitalização, seja no primeiro emprego, seja na renovação forçada do antigo?

O destino no Brasil está em parte nas mãos de parlamentares jovens, inexperientes, alguns surpresos ainda hoje por sua eleição para a Câmara  e o Senado. Creio que no mínimo alguns deles considerarão a base social conquistada e poderão se sentir de alguma forma fiéis ao povo, e não como escravos de Paulo Guedes, que acha que pode mudar o mundo com uma caneta, sem ter voto. Contudo, a chave desse processo é o povo, em  si. As instituições que reúnem os oposicionistas estão sob o desafio de furar a bolha que os isolam das periferias a fim de pressionarem a parte honesta do Congresso a rejeitar a reforma da Previdência do Guedes.

 

Vigília III: Porque a reforma da previdência pretendida derrubaria mais o PIB

É hipócrita a afirmação do governo Bolsonaro de que a reforma da Previdência, do jeito como Paulo Guedes quer, contribuirá para a retomada da economia e do emprego. Isso não tem um pingo de verdade. Só serve para enganar trouxas, entre os quais alguns parlamentares que ocupam cargos de liderança do governo no Congresso, com dificuldade de discernir entre farsa e verdade em economia. Se fosse aprovado o projeto, o Brasil afundaria ainda mais na recessão, com mais queda do PIB e desemprego recorde.
O argumento que usam para vaticinar crescimento da economia com a aprovação da reforma se destaca entre as mais contumazes falácias do neoliberalismo. A retomada viria da confiança do empresariado no equilíbrio fiscal anunciado. Ora, trata-se de uma ilação insustentável. Nenhum empresário investe porque o orçamento está equilibrado devido a cortes na demanda. Empresário investe porque há perspectiva de mercado para seus produtos. Do contrário seria um idiota. Produziria para as prateleiras enquanto o consumo despencaria.
A manipulação do termo confiança é o jogo permanente do mercado financeiro. A oscilação do que chamam de confiança, refletindo em surtos rápidos de alta e de queda de determinadas situações, é essencial para a especulação. Um mercado sem oscilação seria inútil para o jogo de bolsa. Ninguém ganharia ou perderia, só os intermediários. Daí que fatos que tem pouca ou nenhuma relação com a lucratividade ou saúde das empresas, no curto prazo, são elevados à condição de fatores importantes para o desempenho de bolsa, como a reforma da Previdência.
O que realmente importa para o mercado financeiro é a política monetária. A política fiscal só interessa na medida em que esteja articulada com a monetária. Num momento de aguda recessão, como vivemos, a política fiscal-monetária que interessa ao país é justamente a que é rejeitada com toda sua força de pressão pelo mercado financeiro: a redução dos juros sobre a dívida pública e a expansão da moeda de forma a ampliar os gastos públicos e os créditos para o setor privado. Já o mercado quer juros altos e crédito caro.
O mercado tem pleno conhecimento sobre a reforma da Previdência. Além do interesse imediato dos bancos e intermediários financeiros, para os quais Paulo Guedes reserva um trilhão de reais, o governo promete eliminar a contribuição previdenciária dos patrões, cobrada e paga na folha de pagamento, junto com a contribuição do trabalhador. Este terá de se contentar com aplicação individual num fundo financeiro, uma espécie de caderneta de poupança, com contribuições mensais certas e com retorno sujeito à especulação.
Agora vejamos a situação por outro ângulo, ou seja, pelo lado do desempenho real da economia tendo em vista as medidas previstas na reforma. Em primeiro lugar temos a redução do valor de benefícios de prestação continuada e a retirada da correção de outras aposentadorias e pensões correntes. Como a economia a ser feita pelo governo com esses cortes será destinada ao pagamento de juros da dívida pública, é fácil concluir que se trata de medidas contracionistas, isto é, vai ser retirado dinheiro líquido da economia em favor sobretudo de especuladores na bolsa e em fundos especulativos.
Bem mais impactante, porém, será o regime de capitalização. O dinheiro arrecadado dos contribuintes mensalmente vai para um fundo (banco, financeira etc). Com a aversão a risco que é a característica do setor financeiro no Brasil, esse dinheiro vai parar inicialmente em títulos financeiros e em ações da livre escolha dos seguradores. Isso é injeção na veia da especulação de curto prazo: será dinheiro arrecadado da classe média e da classe média baixa para ser incinerado na especulação, fora do sistema produtivo, forçando a queda do PIB.
Consideremos agora uma visão alternativa, a visão da teoria de “finanças funcionais” , de Abba Lerner. Para um dos seus principias divulgadores contemporâneos, Randall Wray, estado que emite sua própria moeda não tem restrições financeiras, exceto quando se esgota sua capacidade produtiva. Vejam o Japão. Poderíamos, portanto, emitir dívida pública até acabar com a recessão e o chamado déficit previdenciário, expandindo a economia e o emprego , sem aumentar impostos. Existe dívida ruim, sim. É a dívida que se faz para pagar juros extorsivos da dívida pública, sem relação com o sistema produtivo.
Recentemente, vimos a importante adesão do economista André Lara Resende a essa teoria. Como é um notável formulador, talvez nos ajude a sair da enrascada em que a estupidez (e o interesse) neoliberal nos meteu, criando uma crise fiscal e previdenciária que, a rigor, se deve exclusivamente à recessão. Já a recessão se deve a cortes de gastos públicos na euforia dos ajustes fiscais, desde Dilma. E, por fim, a restrição a gastos públicos deficitários, de caráter temporário (para reverter a recessão), se deve ao interesse “ortodoxo” dos financistas segundo os quais o Estado, mesmo em depressão, não pode gastar em serviços públicos e investimentos mais do que arrecada.

Requião e José Carlos de Assis.