Qual o projeto de país definido pelo arcabouço? *Gilberto Maringoni* outraspalavras.net/mercadovsd… Leia com atenção!

Ano passado from Roberto Requião's Twitter via Twitter for iPhone



Página Incial

A corrupção da Lava Jato

Canalhas! Canalhas! – bradou o saudoso Tancredo Neves ao ver o Congresso Nacional ser utilizado como instrumento para o golpe de 1964. Em 2018, o Brasil viveu cenário análogo, só que o golpe se materializou pela atuação de um juiz, o que justifica indignação similar à manifestada por Tancredo naquela tenebrosa noite.

Não se trata de questionar a justa e necessária luta contra a corrupção. Tal luta é nossa também, desde muito antes de surgir a Lava Jato. Mas, sim, temos indignação com o uso desta causa como manto para ocultar e atender interesses políticos e ideológicos escusos – ao pior estilo da UDN de Carlos Lacerda – inclusive com grave violação à soberania nacional mediante “combinação com americanos”, conforme revelado em um dos diálogos publicados pelo site The Intercept.

Temos a certeza de que não foi um julgamento justo que ocorreu em 2018, na medida em que o objetivo principal era tirar Lula das eleições. Está evidente, mais do que nunca, que não houve tratamento igualitário às partes. O estranho andamento do processo estava à vista de todos: PowerPoint, condução coercitiva ilegal, escuta abusiva de advogados, correria desesperada para realizar os julgamentos. Tudo agora está explicado por intermédio das conversas publicadas pelo Intercept. O juiz tinha animosidade pessoal contra o acusado, fornecia provas à acusação fora dos autos, combinava previamente petições e decisões. E havia um gritante desrespeito aos argumentos de defesa, que não eram verdadeiramente ouvidos. Afinal, tudo era um “showzinho”, nas palavras do então juiz.

Dizer que as condutas de Moro foram “normais” constitui uma agressão à Constituição, ao Código de Processo Penal e ao próprio Poder Judiciário. Não é normal um processo de fachada, em que o juiz presidia a investigação, ajudava a formular a acusação, indicava e produzia provas e, depois, sentenciava com base nos seus próprios conselhos e orientações transmitidos ao procurador amigo. Tampouco é normal um juiz atuar influenciando um resultado eleitoral e depois dele se beneficiar pessoalmente, ganhando o cargo de Ministro da Justiça.

Flagrado nesse escândalo, Moro não sabe o que diz e vive imerso em contradições. Ora diz que era tudo normal, portanto reconhece o teor dos diálogos; ora não confirma o teor das conversas. E se refugia, logo ele, na ilegalidade de interceptações e vazamentos. Ocorre que não há provas, até o momento, de que os diálogos foram conseguidos de forma ilegal, com ajuda de um hacker ou espionagem. Grupos de mensagens em aplicativos têm muitos participantes; qualquer um deles pode inclusive ter copiado arquivos e entregado legalmente, visto que o sigilo de fonte é garantido à imprensa. Ademais, a doutrina e a jurisprudência admitem o uso de qualquer prova, mesmo que tenha sido ilegalmente obtida, para preservar ou reestabelecer a liberdade de um acusado, em face do princípio da proporcionalidade.

Não se pode admitir que, escancarada a trama, permaneçam os envolvidos a ocuparem funções relevantes, podendo inclusive atrapalhar ou direcionar investigações. Moro perdeu completamente as condições políticas e morais de ocupar o Ministério da Justiça, que comanda a Polícia Federal. Deve ser imediatamente afastado do cargo, também porque não reúne condições para cuidar do relevante tema da Segurança Pública, tamanha a sua falta de credibilidade na comunidade jurídica nacional e internacional.

Quanto ao ex-presidente Lula, este devia ter sido julgado por um juiz imparcial, que presidisse o processo e acompanhasse a produção de provas com seriedade e isenção. Ninguém está acima da lei, mas também ninguém deve estar fora do seu âmbito de preservação de direitos. O processo que aconteceu em 2017 e 2018 é viciado desde a origem e as “provas” usadas até aqui são totalmente nulas. Logo nulos são todos os julgamentos baseados no indevido conluio. Ódios políticos não podem ser maiores do que as leis. E, segundo as leis, a nulidade é imperativa, por ação dolosa e fraudulenta da dupla Moro e Dallagnol. Por consequência, Lula deve ser libertado e novamente julgado, desta vez segundo critérios justos.

A Lava Jato se ergueu em torno do tema da corrupção. Agora, mesmo os que a defendem tem o dever de afastá-la deste mesmo pecado: o da corrupção. Pois não há outra palavra para definir o que ocorreu nesse lamentável episódio. Os fins não justificam os meios. E fraudar os meios corrompe o Direito e a Justiça.

Fernando Haddad, professor universitário, foi candidato a presidente da República.

Flávio Dino, mestre em Direito Público (UFPE), é governador do Maranhão.

Guilherme Boulos, militante do movimento social, foi candidato a presidente da República.

Ricardo Coutinho, presidente da Fundação João Mangabeira, foi governador da Paraíba.

Roberto Requião, foi governador do Paraná e senador da República.

Sônia Guajajara, militante do movimento indígena, foi candidata à vice-presidência da República.

fonte: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/06/a-corrupcao-da-lava-jato.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa

Vigília V: Reforma da Previdência e risco da ditadura institucional

Requião e José Carlos de Assis

Por que um grupo de cidadãos brasileiros tem se esforçado por informar a sociedade, e sobretudo aos pobres, sobre o conteúdo absolutamente perverso da reforma da Previdência pretendida pelo governo Bolsonaro? Seria por razões político-eleitorais? Seria por interesse financeiro pessoal? Nada disso. A razão é simples. Essa pretensa reforma esconde por baixo da aparência técnica mecanismos de destruição da Previdência pública, liquidando direitos sociais dos mais pobres e consolidando privilégios dos mais ricos. Para quem é honesto, trata-se de reagir à pior forma de corrupção, a corrupção introduzida por lei.

É um dever de consciência nosso – seja dos  que cumprem o mandato cristão da caridade, seja dos que seguem os princípios civis de busca de igualdade e de fraternidade consagrados como base da democracia moderna – informar amplamente ao país que esta reforma, se passar, não se esgota nela mesma. Sendo uma  violência contra direitos constitucionais, sobretudo dos mais pobres, abre caminho para a liquidação do que existe de estado de bem-estar social no Brasil e, numa extensão ainda maior,  dos direitos civis, pois haverá, em tese, maioria parlamentar para isso.

Embora a tentativa  de liquidação do sistema previdenciário atual seja uma infâmia em si mesma, suficiente para que se levante o clamor da opinião  pública contra ela, o fato ainda mais grave é que, se a reforma passar, o Parlamento, como observado acima, estará respaldando legalmente uma decisão contrária aos interesses reais da imensa maioria do povo e dando uma espécie de salvo conduto a novas reformas constitucionais contra o que restará do projeto de estado de bem estar social que construímos ao longo de 80 anos.

Paulo Guedes, o mentor da reforma, não esconde seu objetivo de destruição do projeto de estado social brasileiro, consagrado na Constituição. Ele considera isso essencial para que se promova  uma economia eficiente e liberal. As primeiras medidas nesse sentido aconteceram com Temer, na infame reforma trabalhista. Agora é o momento de transformar a Previdência num negócio de ricos, chamado de capitalização. Uma capitalização cujo capital é o sangue e o suor do trabalhador ou do autônomo, sem qualquer garantia quanto aos benefícios futuros.

Reforma desse tipo só se faz na ditadura, como no Chile de Pinochet. E é justamente nesse ponto que a decisão do Congresso tem significado que vai além da  Previdência. Estamos numa situação política  em que o Executivo está claramente contra os interesses do povo. O Judiciário tem estado numa posição ambígua na cúpula, e claramente também contra o povo na primeira  instância. Se o Legislativo for para o mesmo caminho, apoiando por maioria qualificada a reforma, estaremos numa espécie de ditadura institucionalizada que dispensa a participação militar.

Como evitar essa tragédia? O único caminho é derrotar o projeto de reforma previdenciária de Guedes. E não adianta achar que isso seja possível apenas com os votos de parlamentares de esquerda. Parlamentares do centro, e mesmo parlamentares eleitos na onda bolsonarista, de alguma forma podem ser sensibilizados pela realidade social brasileira à margem das duas mentiras centrais de Guedes: que a reforma vai ajudar a relançar a economia e o emprego, e que a reforma acaba com privilégios. Aliás, nesse último ponto, basta perguntar a Guedes: “quais são esses privilegiados? Os beneficiários  da renda mensal vitalícia que passariam a ganhar 400 reais em lugar de um salário mínimo”?

Os parlamentares ainda indecisos precisam ser informados, de forma honesta e num plano  suprapartidário, que o regime de capitalização proposto por Guedes é um engodo. Uma vez adotado, ele expulsaria do sistema previdenciário o regime de partição que caracteriza a Previdência pública. É que, na capitalização, os empresários não contribuiriam para a aposentadoria do empregado. Obviamente, empurrariam os trabalhadores para a capitalização, na qual só o trabalhador contribui. E certamente demitirão, ou não empregarão, os trabalhadores que insistirem em ficar no regime previdenciário público.

Eu ouvi com  meus ouvidos a afirmativa de Guedes segundo a qual o novo regime seria melhor porque daria ao trabalhador a liberdade de escolher entre os dois regimes e de aprender sobre aplicação financeira. Tive vontade de vomitar. Com quase 14 milhões de desempregados e 27 milhões de subempregados na fila de espera de um emprego, qual trabalhador iria contrariar a “liberdade” do patrão de obrigá-lo a entrar no regime de capitalização, seja no primeiro emprego, seja na renovação forçada do antigo?

O destino no Brasil está em parte nas mãos de parlamentares jovens, inexperientes, alguns surpresos ainda hoje por sua eleição para a Câmara  e o Senado. Creio que no mínimo alguns deles considerarão a base social conquistada e poderão se sentir de alguma forma fiéis ao povo, e não como escravos de Paulo Guedes, que acha que pode mudar o mundo com uma caneta, sem ter voto. Contudo, a chave desse processo é o povo, em  si. As instituições que reúnem os oposicionistas estão sob o desafio de furar a bolha que os isolam das periferias a fim de pressionarem a parte honesta do Congresso a rejeitar a reforma da Previdência do Guedes.