Qual o projeto de país definido pelo arcabouço? *Gilberto Maringoni* outraspalavras.net/mercadovsd… Leia com atenção!

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Vigília III: Porque a reforma da previdência pretendida derrubaria mais o PIB

É hipócrita a afirmação do governo Bolsonaro de que a reforma da Previdência, do jeito como Paulo Guedes quer, contribuirá para a retomada da economia e do emprego. Isso não tem um pingo de verdade. Só serve para enganar trouxas, entre os quais alguns parlamentares que ocupam cargos de liderança do governo no Congresso, com dificuldade de discernir entre farsa e verdade em economia. Se fosse aprovado o projeto, o Brasil afundaria ainda mais na recessão, com mais queda do PIB e desemprego recorde.
O argumento que usam para vaticinar crescimento da economia com a aprovação da reforma se destaca entre as mais contumazes falácias do neoliberalismo. A retomada viria da confiança do empresariado no equilíbrio fiscal anunciado. Ora, trata-se de uma ilação insustentável. Nenhum empresário investe porque o orçamento está equilibrado devido a cortes na demanda. Empresário investe porque há perspectiva de mercado para seus produtos. Do contrário seria um idiota. Produziria para as prateleiras enquanto o consumo despencaria.
A manipulação do termo confiança é o jogo permanente do mercado financeiro. A oscilação do que chamam de confiança, refletindo em surtos rápidos de alta e de queda de determinadas situações, é essencial para a especulação. Um mercado sem oscilação seria inútil para o jogo de bolsa. Ninguém ganharia ou perderia, só os intermediários. Daí que fatos que tem pouca ou nenhuma relação com a lucratividade ou saúde das empresas, no curto prazo, são elevados à condição de fatores importantes para o desempenho de bolsa, como a reforma da Previdência.
O que realmente importa para o mercado financeiro é a política monetária. A política fiscal só interessa na medida em que esteja articulada com a monetária. Num momento de aguda recessão, como vivemos, a política fiscal-monetária que interessa ao país é justamente a que é rejeitada com toda sua força de pressão pelo mercado financeiro: a redução dos juros sobre a dívida pública e a expansão da moeda de forma a ampliar os gastos públicos e os créditos para o setor privado. Já o mercado quer juros altos e crédito caro.
O mercado tem pleno conhecimento sobre a reforma da Previdência. Além do interesse imediato dos bancos e intermediários financeiros, para os quais Paulo Guedes reserva um trilhão de reais, o governo promete eliminar a contribuição previdenciária dos patrões, cobrada e paga na folha de pagamento, junto com a contribuição do trabalhador. Este terá de se contentar com aplicação individual num fundo financeiro, uma espécie de caderneta de poupança, com contribuições mensais certas e com retorno sujeito à especulação.
Agora vejamos a situação por outro ângulo, ou seja, pelo lado do desempenho real da economia tendo em vista as medidas previstas na reforma. Em primeiro lugar temos a redução do valor de benefícios de prestação continuada e a retirada da correção de outras aposentadorias e pensões correntes. Como a economia a ser feita pelo governo com esses cortes será destinada ao pagamento de juros da dívida pública, é fácil concluir que se trata de medidas contracionistas, isto é, vai ser retirado dinheiro líquido da economia em favor sobretudo de especuladores na bolsa e em fundos especulativos.
Bem mais impactante, porém, será o regime de capitalização. O dinheiro arrecadado dos contribuintes mensalmente vai para um fundo (banco, financeira etc). Com a aversão a risco que é a característica do setor financeiro no Brasil, esse dinheiro vai parar inicialmente em títulos financeiros e em ações da livre escolha dos seguradores. Isso é injeção na veia da especulação de curto prazo: será dinheiro arrecadado da classe média e da classe média baixa para ser incinerado na especulação, fora do sistema produtivo, forçando a queda do PIB.
Consideremos agora uma visão alternativa, a visão da teoria de “finanças funcionais” , de Abba Lerner. Para um dos seus principias divulgadores contemporâneos, Randall Wray, estado que emite sua própria moeda não tem restrições financeiras, exceto quando se esgota sua capacidade produtiva. Vejam o Japão. Poderíamos, portanto, emitir dívida pública até acabar com a recessão e o chamado déficit previdenciário, expandindo a economia e o emprego , sem aumentar impostos. Existe dívida ruim, sim. É a dívida que se faz para pagar juros extorsivos da dívida pública, sem relação com o sistema produtivo.
Recentemente, vimos a importante adesão do economista André Lara Resende a essa teoria. Como é um notável formulador, talvez nos ajude a sair da enrascada em que a estupidez (e o interesse) neoliberal nos meteu, criando uma crise fiscal e previdenciária que, a rigor, se deve exclusivamente à recessão. Já a recessão se deve a cortes de gastos públicos na euforia dos ajustes fiscais, desde Dilma. E, por fim, a restrição a gastos públicos deficitários, de caráter temporário (para reverter a recessão), se deve ao interesse “ortodoxo” dos financistas segundo os quais o Estado, mesmo em depressão, não pode gastar em serviços públicos e investimentos mais do que arrecada.

Requião e José Carlos de Assis.

Aos Economistas: Economia Política de Bismarck a Paulo Guedes e o governo Bolsonaro

Caros Economistas,

Vivemos tempos de instabilidade e de extrema complexidade. É um tempo de declínio de propostas políticas abrangentes tendo em vista o reflexo no plano ideológico das contradições do mundo real. Mas é também um tempo de renascimento e recuperação das ideias originais do Estado Moderno sobre as quais somos desafiados a construir um novo momento da modernidade. Quero falar sobre isso para vocês, economistas, reconhecendo na dinâmica econômica, como fez Marx, o eixo do desenvolvimento das sociedades capitalistas e do imperativo de sua evolução.

Por que disse que propostas abrangentes estão em declínio? Basicamente porque, à esquerda ou à direita, elas geralmente perderam o contato com o povo – ou nunca tiveram, como é o caso da direita – e se tornaram um catecismo vago e um exercício intelectual apenas de análises teóricas voltado para si mesmo. Enquanto ideologia, não há mais uma esquerda: há diferentes correntes políticas e sociais comprometidas de alguma forma com a justiça social, cada uma delas focada num tópico específico de interpretação dos mestres ou, nos casos mais ingênuos, fantasiando a realidade.

Enquanto ideologia, não há uma direita organizada: há demandas e imposições específicas de diferentes frações das classes dominantes, cada uma voltada para seu próprio interesse, indiferentes ao sentido unificador de Nação e mais recentemente agarradas ao guarda-chuva intelectual da globalização indiferenciada, que esmaga os interesses concretos do povo.

As contradições ideológicas, que se refletem na vida real, repercutem na própria semântica: a direita, em outro tempo, era conservadora – isto é, conservadora de seus privilégios; hoje, tornou-se reformista, ou seja, negadora dos direitos sociais conquistados historicamente pelos trabalhadores. Já a esquerda tradicionalmente era reformista – reformadora das estruturas injustas da sociedade, em busca de afirmação de direitos; agora tornou-se conservadora, isto é, conservadora dos direitos tradicionalmente conquistados ao longo de um século e hoje furiosamente agredidos pela direita.

Não estou falando apenas abstratamente. Estou falando também do Brasil recente. O que levou o país a tirar da garrafa o gênio do impeachment se não um distanciamento em relação ao povo dos que se opunham a ele? Claro, a decisão foi do Congresso. Entretanto, o Congresso suportaria a pressão de um milhão de pessoas nas ruas das principais cidades brasileiras? Perdemos, as esquerdas e os progressistas, unidos, todas as votações dos projetos da infame Ponte para o Futuro do Governo Temer. Acaso teria acontecido isso se tivéssemos arrastado para rua milhões de pessoas do povo, contra aqueles projetos anti-povo e anti-nação?

A direita tradicional não precisa de povo. Move os cordões nos bastidores e manipula a mídia. Quem precisa do povo são os que lutam pela justiça social, esquerdistas e progressistas, que só conquistam direitos na base da pressão social. Entretanto, lamentavelmente, cortamos a conexão com o povo e a cidadania, na suposição de que basta estarmos certos e termos boas intenções para o povo nos acompanhar, e lutar efetivamente conosco. Não. Nós temos que provar ao povo, de alguma forma, que as propostas que defendemos em seu nome correspondem a suas expectativas concretas, refletindo ideias capazes de se efetivar na vida e não apenas ideologias românticas.

É fato que, nas eleições do período pós-redemocratização, houve mais do que simples demagogia para as vitórias eleitorais presidenciais. A demagogia não basta. O que a torna suficiente é condição objetiva da maioria da sociedade. Collor aproveitou do Governo Sarney uma hiperinflação galopante que triturava a renda dos menos afortunados, a qual ele soube capitalizar na campanha. Fernando Henrique capitalizou na campanha o sucesso inicial do Plano Real. Lula se beneficiou de uma crise financeira e inflacionária do governo FHC. Ambos se reelegeram em razão de algum bom desempenho à vista do povo.

Nada, porém, é mais pedagógico do que estou dizendo do que a vitória de Bolsonaro. Não tinha programa eleitoral, plano de governo, estratégia consistente, equipe coerente, ideologia unificadora. Ganhou. O que vemos hoje é a consequência absolutamente previsível de um fenômeno demagógico assentado nas piores condições sociais que temos tido há décadas. As eleições se deram numa condição do país em que praticamente um terço da população ativa estava, e está, ou desempregada ou subempregada. Outro tanto são os trabalhadores precários da reforma do Temer. A queda acumulada do PIB no período Temer chegou a 8%, o que teve efeitos perversos nas receitas dos Estados degradando os serviços públicos por toda a Federação.

Curiosamente, o debate eleitoral ignorou o pai do desastre brasileiro, o governo Temer. E Bolsonaro, concentrando-se em aspetos tópicos da situação, como corrupção e moral, conseguiu uma vitória significativa. Com um discurso político e econômico sem qualquer coerência, ganhou por ter captado o sentimento da opinião pública que pode ser traduzido na forma de um desabafo: se tudo que está aí é democracia, gerando desemprego, corrupção e o rótulo midiático de petismo, apontado como a matriz de todos os nossos males, por que não experimentar alguém novo, mesmo que o chamem de fascista?

Vou poupá-los de uma análise sobre o que acho do governo Bolsonaro. Esperarei para que haja governo. Até o momento, além das patacoadas, o que se desenha é uma articulação de interesses das classes dominantes para acabar a obra de Temer na entrega do pré-sal, na liquidação de estatais, na privatização da previdência pública no esmagamento dos salários. Uma análise superficial mostra que a esmagadora maioria das medidas anunciadas é de caráter contracionista, o que nos remete a mais um ciclo de contração do PIB e do emprego a iniciar-se já a partir deste ano.

Diante desse quadro sombrio temos que ter frieza para articular uma alternativa. Não uma alternativa a este governo, condenado à degradação precoce, mas uma alternativa ao condomínio de poder que esmaga a sociedade brasileira sob o tacão da banca, da mídia manipuladora e do grande capital que está voltando aos tempos da escravização do trabalho em nome da chamada globalização. Essa alternativa não pode se limitar ao plano ideológico. Deve se estender a ideias constituintes da democracia moderna e que, ao longo do tempo, e sob pressão social, criaram condições objetivas para a melhoria de vida das massas mesmo sob o capitalismo.

Nossa primeira proposta, creio eu, é a radicalização da democracia. Não como abstração, mas como instrumento de defesa e de ampliação dos direitos sociais, notadamente, no momento atual, os previdenciários.

A Previdência Social, como sabem, é uma obra original de Bismarck no século XIX. Um dos maiores estrategistas da história moderna, ele percebeu que a onda socialista na Europa acabaria por criar instabilidade política na Prússia caso os trabalhadores não fossem providos de um mínimo de segurança social. Precursor do movimento fabiano inglês, da social democracia do Norte da Europa e do Plano Beveridge (1942), este muito mais amplo, a reforma social prussiana de alguma forma começou a responder a uma questão fundamental para as democracias capitalistas: se o fundamento da democracia é a propriedade privada, como está nas primeiras convenções da Revolução Francesa e na Constituição americana, o que fazer com os que não tem propriedade quando adoecem ou não podem trabalhar? (J.Fichte)

Anarquistas, socialistas utópicos, como os chamava Marx, socialistas marxistas, fabianos, cada um a seu modo tentaram resolver essa contradição, ora pregando a destruição da propriedade privada (anarquistas), ora pregando uma evolução humanizadora do capitalismo (utópicos), ora propondo a estatização dos meios de produção (não da propriedade privada em geral). A questão central, para todas essas perspectivas, estava relacionada com o lugar do trabalhador numa economia capitalista. E a única resposta possível, com ou sem revolução, seria assegurar trabalho remunerado aos não proprietários. Em termos contemporâneos, o pleno emprego.

A revolução como fenômeno do capitalismo maduro perdeu força com a evolução do próprio capitalismo. Surgiu, sim, num país atrasado industrialmente, a Rússia, e tardiamente na China, no Sudeste Asiático e em Cuba, violando as predições do próprio Marx. A tentativa revolucionária na Alemanha industrial em fins da Primeira Grande Guerra fracassou num banho de sangue. Aparentemente, o determinante da revolução eram as condições objetivas do povo, não uma maturidade ideológica que, em teoria, deveria ser produzida pelo desenvolvimento industrial.

Olhando o que acontecia na Europa e projetando para o resto do mundo, foram Kautsky e Bernstein, os grande teóricos originalmente marxistas do início do século XX, que identificaram o fundo da questão. Vendo a emergência de classes médias cada vez mais afluentes, concluíam que era vão acreditar que uma vanguarda operária restrita seria capaz de convencer as massas a uma aventura revolucionária nos países industrializados avançados, desafiando inclusive as Forças Armadas, tendo em vista suas perspectivas concretas de melhorar de vida no capitalismo. Foram acusados de “revisionistas”.

Os “revisionistas” estavam absolutamente certos. Não porque a revolução fosse impossível, mas porque era desnecessária nos países avançados aos olhos das dominantes classes médias no plano político. O momento de inflexão foi o New Deal norte-americano e o Novo Plano alemão, nos anos 30, enfrentando o maior desastre do capitalismo em toda a história. Ali não estava naufragando apenas a classe trabalhadora, mas as classes médias em geral, todas sucumbindo na degradação de suas condições de vida. Na Grande Depressão, o governo Hoover deixou quebrar tudo, sobretudo os empregos. Coube a Roosevelt, a partir de 33, salvar a Nação com o que seria o mais ambicioso programa de geração de emprego da História.

A Europa Ocidental uniformizou suas políticas sociais no pós-guerra. Havia dois motivos para que as elites políticas locais empreendessem a revolução social pacífica que colocou a região na vanguarda sócio-econômica da humanidade. Ambos alimentados pelo medo. Primeiro, o medo de uma revolução socialista “madura” tendo em vista o sentimento de revolta do povo pelas consequências de uma guerra que não provocou. Segundo, o medo do suporte soviético aos partidos comunistas da região, notadamente da França e da Itália (quase 40% do eleitorado), e de uma eventual invasão “vermelha”.

Sabemos como isso foi resolvido, em geral em favor do povo, dos trabalhadores e das classes médias, por meio de abrangentes pactos sociais. O socialismo democrático, ou socialdemocracia, abriu espaço para uma crescente participação dos trabalhadores e classes médias nas decisões de política econômica e social mediante o estado de bem-estar social. Daí resultou uma crescente acumulação de direitos obtidos pela via parlamentar reconhecidos legalmente, cumprindo com grande eficácia, no plano político, o que Bismarck realizou pela Prússia: arrefecer o ânimo revolucionário das massas mediante concessões sociais que melhorassem suas condições de vida.

É essa marcha histórica que o governo Paulo Guedes, um governo não eleito e que pensa ter plenos poderes para fazer qualquer improvisação econômica no país, pretende reverter. Veremos qual será sua proposta concreta, já que parece ter perdido prioridade nos 100 primeiros dias a reforma previdenciária. Em qualquer hipótese, acredito que, no momento em que for apresentada ao Congresso, haverá mobilização social forte dada a extensão dos brasileiros que serão atingidos.

Para tentar organizar os setores sociais mais ameaçados contra as investidas do atual governo, pretendemos lançar o Movimento Nacional pela Soberania e o Pleno Emprego, entendendo soberania não como algo abstrato, mas sobretudo como instrumento efetivo de política econômica capaz de articular as políticas sociais, notadamente o pleno emprego. Nosso propósito, em âmbito suprapartidário e supra ideológico, é engajar os beneficiários do pleno emprego, dos trabalhadores aos favelados, nas nossas articulações a fim de que ajudem a formular a linguagem da mobilização em torno de propostas concretas no campo dos direitos sociais.

Caros economistas,

Permitam-me uma cobrança. Vocês, ou pelo menos os mais politizados de vocês, nos devem uma posição comum sobre a ameaça sem precedentes que a equipe econômica que assumiu o Governo representa para a sociedade brasileira e o seu futuro. Não falo apenas de neoliberalismo. Falo de ameaças das propostas de um neoliberalismo radical, só vistas sob a ditadura sanguinária de Pinochet, da qual o senhor Paulo Guedes é um discípulo e um admirador, sobretudo na questão da Previdência que quer privatizar.

Por isso, incito a vocês, sobretudo aos que se dedicam à economia política, a lançarem, na forma de um Consenso de Brasília, uma proposta de política econômica socialmente justa e progressista para confrontar o neoliberalismo radical anunciado abertamente. É necessário que ela sinalize uma nova economia política e uma nova política econômica para o Brasil, alternativa ao modelo concentrador de renda, desempregador e socialmente degradante em que estamos vivendo. E deve ser o anúncio de uma nova utopia capaz de mobilizar as massas, colocando como focos a construção de uma economia de bem-estar social conduzida pela ideia do nacional desenvolvimentismo.

Com isso devemos levar ao povo a mensagem de que, no uso de sua soberania cidadã, ele pode ser o agente transformador que garanta aos desafortunados e não proprietários o direito a uma sociedade de bem-estar social, infensa à pilhagem dos neoliberais. Estes estão destruindo não apenas a realidade social nos países industrializados avançados como empreendem retrocessos também entre nós e em outros países em desenvolvimento com medidas concretas de destruição e restrição de direitos e de impedimento da construção de novos. Nossa obrigação, no plano político, é levantar o povo para bloquear essa selvageria social.